segunda-feira, 9 de maio de 2011

TEATRO ESPONTÂNEO E PSICODRAMA A DEUX

TEATRO ESPONTÂNEO E PSICODRAMA À DEUX

Pretendo neste texto apresentar algumas reflexões a respeito da utilização do teatro espontâneo como referência teórico-prática para o exercício do psicodrama bi-pessoal.
Num primeiro momento, levantarei algumas questões relativas ao psicodrama em geral, para então, estabelecidas algumas premissas, discuti-las sob o prisma dessa modalidade particular em que se encontram apenas o terapeuta e seu paciente.
A pertinência dessa abordagem se explica pelas conexões históricas entre psicodrama e teatro. Com efeito, Moreno descreve, no princípio de sua carreira, um interesse especial por este último, cujo aprisionamento aos textos e formatos clássicos foram objeto de suas críticas, as quais motivaram algumas de suas propostas, entre estas a do teatro da espontaneidade.
Foram as experiências com esta modalidade alternativa de teatro que teriam levado, segundo nos relata o próprio autor, à descoberta de seus efeitos terapêuticos e, na seqüência, à invenção do psicodrama (10).
O teatro espontâneo é, pois, historicamente, a ponte que liga o psicodrama ao teatro. Ao investigá-lo, tenho trabalhado com a hipótese de que a experimentação e a reflexão nesse campo podem proporcionar subsídios relevantes para o psicodrama, tanto em termos de estratégias operacionais quanto em termos de aprofundamento conceitual.
Ao meu ver, o psicodrama sofreu, por um largo período, uma relativa estagnação no seu desenvolvimento técnico e teórico, estagnação essa que coincide com uma tendência à minimização da importância de suas conexões com as artes cênicas.
Até certo ponto, esse fenômeno é perfeitamente compreensível. Situando-se o psicodrama no espectro das linhas psicoterápicas, as demandas da prática clínica acabaram estabelecendo uma pauta de investigações prioritárias, que pudessem atendê-las de maneira mais direta e imediata. O custo dessa orientação foi ter que descartar, pelo menos temporariamente, algumas outras importantes possibilidades.
No entanto, tais pesquisas vinham apresentando sinais de aparente esgotamento, como se nada de novo se pudesse encontrar na perspectiva até então adotada. As contribuições mais significativas acabavam situando-se no campo das teorias às quais o psicodrama vinha sendo acoplado enquanto técnica complementar, estranhamente desvinculada de um corpo aprofundado de reflexão a respeito dos seus próprios fundamentos.
Isso fêz com que se afigurasse premente a alternativa de retomada de aspectos até então relegados a um segundo plano e que por isso mesmo ainda não tinham sido suficientemente explorados.

O TEATRO DA ESPONTANEIDADE
O teatro da espontaneidade é um desses temas mantidos na penumbra. Chegou a ser considerado como apenas uma das muitas técnicas do psicodrama, utilizável em circunstâncias especiais em que não se aconselhasse nenhum trabalho mais aprofundado ou mais especificamente terapêutico. Em outras palavras, como uma espécie de versão lúdica do psicodrama, da qual praticamente nada se poderia esperar a não ser alguns momentos de descontração sem maiores compromissos.
De um ponto de vista histórico, essa situação é no mínimo intrigante, uma vez que, a rigor, o psicodrama é que é um desdobramento do teatro da espontaneidade e não o inverso. Para elucidar o que aconteceu seria necessário uma persistente investigação que desse conta de verificar algumas hipóteses.
A primeira delas: a descoberta do psicodrama possibilitou o desenvolvimento de uma estratégia mais consistente que o teatro que lhe deu origem. O teatro da espontaneidade representaria, nesse quadro, a infância do psicodrama, sendo este a versão adulta da proposta moreniana. Por esse raciocínio, o interesse atual pelo teatro da espontaneidade traduziria no máximo uma vocação historiográfica, quando não uma mera postura regressivo-saudosista.
Segunda hipótese: a proposta do teatro da espontaneidade só não foi mais explorada porque a descoberta do seu potencial terapêutico redirecionou os investimentos, uma vez que a demanda social do momento concentrava-se mais nos instrumentos psicoterápicos do que em novas modalidades artísticas.
Terceira hipótese: a suspensão ou desaceleração das investigações sobre o teatro da espontaneidade decorreu de uma limitação do talento artístico do próprio Moreno que, por suposto, mesmo tendo intuído uma nova linha de trabalho, não possuiria os recursos pessoais necessários para concretizá-la. O teatro da espontaneidade era uma modalidade de arte cênica em que a primeira estrela era o animador do evento, de quem depende, em larga medida, a qualidade da performance global.
Para verificar esta última hipótese seria interessante que muitas pessoas, com as mais diferentes propensões artísticas, pudessem retomar as investigações de modo a produzir um montante de dados suficiente para se obter uma resposta mais confiável sobre o potencial estético do teatro que Moreno propôs.
Um dos obstáculos a essa pesquisa é que os registros disponíveis são insuficientes para caracterizar o modo como decorria uma sessão de teatro espontâneo dirigida pelo seu inventor. As deduções que podemos fazer se baseiam mais no psicodrama, ou seja, numa fase mais avançada de seus experimentos.
Apesar disso, podemos dizer que de alguma forma essa proposta vem sendo concretizada. Nesta virada de século, têm despontado, em várias partes do mundo, inúmeras formas interativas e improvisadas de artes cênicas. Elas acabam resgatando, de alguma maneira, as raízes da tradição psicodramática, apesar de nem sempre estabelecerem como objetivo a liberação da espontaneidade – a marca principal do teatro moreniano.
Entre as propostas mais relevantes, podemos mencionar: as técnicas teatrais criadas por Augusto Boal(); a multiplicação dramática de Kesselmann e seus parceiros(7); a reutilização, em diferentes contextos, da peça didática de Brecht(8); a dramaterapia; o Playback Theatre(12); e, numa correlação ainda um pouco mais ousada, retroceder aos anos 1960 e ir encontrar até mesmo o Living Theater e seus desdobramentos recentes, como por exemplo o Dream Theatre.
Boa parte dessas propostas têm sido incluídas nas investigações de que tenho participado, no campo do teatro espontâneo, as quais incluem, como atividades mais significativas:
1) Realização de sessões públicas de teatro espontâneo.
2) Inclusão do teatro espontâneo no circuito cultural, como teatro alternativo.
3) Trabalho com diferentes tipos de público.
4) Experimentação de novos formatos, no campo das artes cênicas, que sejam facilitadores do desenvolvimento da espontaneidade criativa.
5) Pesquisas sobre a estruturação da equipe técnica (diretor e auxiliares), a partir de uma definição experimental de novos papéis e de uma investigação sobre a pertinência da diversificação de funções, com a inclusão de atividades específicas tais como: sonoplastia, coreografia, figurino, iluminação, produção etc..
6) Investigação das várias formas de relação entre a equipe técnica e o público.
7) Experimentação de novas estratégias de intervenção e facilitação.
8) Utilização dos recursos sob investigação em situações com finalidades distintas, tais como a atuação em crises pessoais e grupais (a psicoterapia e a socioterapia em sentido lato), a potencialização de objetivos grupais, as ações de saúde, a aprendizagem, passando pelo treinamento profissional e pela construção do conhecimento em áreas específicas, e assim por diante.
9) Ampla reflexão sobre toda essa prática, passando pela desconstrução da teoria tradicional, pela re-conceitualização e pela formulação de novas hipóteses.

UMA NOVA TERAPIA
Na medida em que se foram desenvolvendo as pesquisas específicas no campo do teatro espontâneo, incursões paralelas e articuladas foram acontecendo também no campo da psicoterapia, numa tentativa de verificar, na prática, a aplicabilidade dos novos achados.
Evidentemente, esse novo olhar encampa vários questionamentos das psicoterapias tradicionais, sustentados e instigados por novas propostas que vêm surgindo nos últimos tempos, tanto no âmbito das ciências em geral, passando pelas ciências ditas humanas e alcançando as psicoterapias em particular.
Nosso objetivo, claramente estabelecido, tem sido o de subsidiar as práticas psicodramáticas com novos recursos técnicos, aperfeiçoando-as e ampliando-lhes o leque de alternativas. No entanto, tem sido inevitável que algumas dessas ofertas acabem adquirindo características de oposição, dando ensejo a confrontos e contrapontos em aspectos que até então sequer haviam sido cogitados.
Um balanço provisório do impacto desse movimento sobre a prática psicoterápica faz ressaltar os seguintes pontos:
I . Criação coletiva
Nas pesquisas de teatro espontâneo, desembocamos num formato preferencial de trabalho, que denominamos “teatro da platéia” (theatre of audience), em que se estimula a criação coletiva de um texto teatral, encenado de improviso na medida em que vai sendo concebido.
Nesse modelo, o protagonista continua sendo, como no psicodrama clássico, o eixo do processo: é ele o primeiro interlocutor do diretor, sempre que se faz necessária a intervenção deste para facilitar a produção cênica.
A história escolhida para ser representada (enacted) constitui o embrião de uma nova história, que vai ser inventada com a participação de todos: o protagonista, o diretor, os atores que sobem ao palco, assim como a própria platéia.
No palco (stage), o ator que contracena com o protagonista não se obriga a reproduzir o mais fielmente possível o personagem respectivo do mundo interno do protagonista. Pelo contrário, ele é estimulado a jogar com a máxima liberdade, valendo-se das sensações e fantasias que lhe vão surgindo, emprestando-as ao personagem que está representando e traduzindo-as em texto e ações. Em outras palavras, em vez de evitar que o contra-papel fique contaminado com elementos da história pessoal de quem o desempenha, tem-se como desejável que isso ocorra. O pressuposto é de que através desse tipo de inter-jogo se ampliam as possibilidades de expressão do co-inconsciente (co-unconscious) grupal.
Faz parte dessa estratégia que novos personagens possam ser introduzidos sempre que os membros do grupo assim o desejem. Cabe ao diretor garantir a estética do espetáculo. Os critérios que cada diretor utiliza refletem seu senso artístico e sua contribuição específica em cada ocasião. Ou seja, o diretor é também, assumidamente, um dos construtores da história.
Vale ressaltar as distinções entre esse procedimento e o que, juntamente com outros autores, considero como o psicodrama clássico(15). Neste, as coisas funcionam de maneira diferente. O protagonista tende a ser identificado como o “paciente da vez”, ou seja, é ele quem tem, na sessão em que seus conflitos pessoais são encenados, a oportunidade de aprofundar a compreensão dos mesmos através da investigação cênica dos conteúdos psíquicos associados à situação-problema. Essa investigação deve constituir-se, ela mesma, numa experiência corretiva, capaz de limpar a área e favorecer novos desenvolvimentos.
Nessa versão clássica do psicodrama, a configuração sociométrica do grupo atual (diretor, auxiliares e demais participantes) e a sociodinâmica do momento constituem uma espécie de pano de fundo, sendo levadas em conta como apenas um dos critérios - algo mais - para uma eventual interpretação dos conteúdos cênicos.
A atuação dos atores secundários e coadjuvantes, na dramatização, sejam eles membros da equipe terapêutica ou outros participantes do grupo, está subordinada às indicações feitas pelo protagonista, evitando-se ao máximo acréscimos que tenham a ver com fantasias e conflitos ressonantes.
As técnicas psicodramáticas clássicas (solilóquio, dublê, espelho e inversão de papéis) têm como objetivo pesquisar o sub-texto do protagonista, fornecendo subsídios tanto para o diretor como para os atores auxiliares para a introdução de novos elementos à cena. Induzem transformações no enredo e ampliam o tônus emocional da dramatização, conduzindo-a a um clímax catártico e reparatório.
A re-focalização sob a ótica do teatro espontâneo nos coloca numa outra perspectiva, que faz da cena um produto do grupo todo e não apenas do protagonista. A condição sociométrica do momento deixa de ser subsidiária para configurar a principal matéria prima. É como se as luzes da platéia permanecessem o tempo todo acesas, durante o espetáculo.
A hipótese terapêutica que a preside é de que a participação num processo de criação coletiva constitui, por si mesma, um fator de transformação para as pessoas envolvidas, potencializando os efeitos de identificação e solidariedade observáveis no psicodrama tradicional.
No teatro espontâneo, não se pode estabelecer por antecipação as metas específicas a serem atingidas, nem mesmo o sentido e a intensidade das mudanças. Longe de empobrecer o processo, esse fato pode conferir-lhe uma legitimidade maior do que nos casos em que, em função de objetivos previamente estabelecidos, os procedimentos correm o risco de assumir caráter manipulatório, favorecendo o despotismo do terapeuta e as relações de dependência. Destaco, neste campo, principalmente, os formatos solution oriented, que têm como meta identificar medidas operacionais que devam ser adotadas pelo protagonista para que este possa encaminhar a solução dos problemas que são objeto de sua queixa.
Ressalvada essa restrição de ordem político-filosófica, não se desconsidera que a produção individual do protagonista, quando privilegiada na condução de um psicodrama, pode representar o grupo tão legitimamente quanto o faz a produção grupal. Não é a legitimidade que está em questão: o que se tem como hipótese é que a construção coletiva, quando adequadamente viabilizada, pode ampliar os horizontes da experiência do próprio protagonista, não só pelo que consegue mobilizar nos demais participantes mas também pelo sentido de coletividade que se pode alcançar.
Por outro lado, a vivência de co-criação desloca a problemática conflitiva do campo do indivíduo para o plano da comunidade, passando-se a considerá-la como um item de responsabilidade compartilhada, o que minimiza os riscos associados ao estigma da patologia individual.
O papel de paciente identificado é, assim, apenas transitório, restringindo-se ao momento em que o emergente grupal apresenta o tema e, já como protagonista, no contexto dramático, se faz o interlocutor preferencial do diretor no processo de construção da cena. Sua contribuição é caracterizada como um privilégio e não como um motivo para crítica defensiva ou piedade vitimizatória, ainda que estas últimas tendam a se insinuar sorrateiramente, protegidas pelo manto dos inúmeros disfarces disponíveis.
O próprio fenômeno télico (tele relationship) acaba sendo visto por um ângulo diferente, de onde pode ser definido como o fluxo da comunicação no processo criativo. Isso facilita a compreensão do seu caráter relacional, afastando a tentação onipresente de considerá-lo como uma habilidade perceptual que alguns indivíduos privilegiados possuem mais do que os outros. Embora a diferença aparente ser mínima, seu alcance e repercussões são significativos.
II – A realidade suplementar (surplus reality)
Na melhor tradição teatral, o teatro espontâneo renuncia à tarefa de retratar a vida, constituindo-se ele mesmo uma parte da vida.
Como conseqüência desse pressuposto, o que se faz não é, a rigor, lançar mão da fantasia (o “como se” do contexto dramático) para pesquisar a realidade, a vida como ela é, mas sim construir uma nova realidade, a realidade do momento, fugaz e auto-superável. Ainda que o pretexto seja essa pesquisa.
Moreno cunhou o termo realidade suplementar (surplus reality) para descrever o que acontece no palco psicodramático. Quando clonado em outros contextos, o termo teria a acepção de um conteúdo cognitivo que não condiz com a “realidade factual” ( a “verdadeira” realidade) mas que, dado o seu caráter metafórico, aponta para o sentido dos fatos que pretende descrever.
A narração que apresenta os fatos de maneira “modificada” lança mão daquilo que os críticos literários chamam de “liberdade poética”, meta-comunicando que o que importa não são os acontecimentos em si mas o significado que se lhes atribui. Daí que eles possam ser maquiados, contados de um jeito diferente, para que se dê o devido realce ao que deve ser realçado.
Com esse sentido, a “realidade suplementar” costuma até ser vista com bons olhos. Especialmente por causa de uma veneração quase sagrada da figura de Moreno, que segundo os historiadores usou e abusou do direito de criar a sua “realidade suplementar”(9).
Isso nos faz relembrar um aspecto da historiologia chinesa, em que o cronista não considera fiel o relato que se propõe retratar as coisas exatamente como aconteceram, com o mesmo sentido de objetividade e veracidade adotados por nossa cultura. O historiador chinês conta uma história cuja verossimilhança apenas ilustra o sentido que o imperador ou o guru quer dar aos fatos - e isso é assumido como válido e desejável. Num certo sentido, nosso padrão ocidental de história faz o mesmo, sem o admitir: são relevantes os fatos selecionados pelos vencedores e poderosos, sendo verdadeiros os relatos que coincidem com a versão deles; ao se re-escrever a mesma história, pelo ângulo dos perdedores ou dos oprimidos, tem-se o mesmo fenômeno ao reverso.
No entanto, no plano individual essa acepção de realidade suplementar costuma gerar um certo desconforto, dado que, numa avaliação mais rigorosa, embutiria um tipo especial de patologia, uma distorção perceptual ou mesmo um mito forjado. Seria uma espécie de mecanismo de defesa, que até poderia ser tolerado provisoriamente, enquanto o sujeito não conseguisse livrar-se dele. É um sintoma que precisa ser debelado. A cura teria lugar quando ele pudesse entrar em contato com aspectos temidos ou aparentemente incongruentes da “realidade verdadeira”, o que o levaria a descartar, por inútil, a formulação fantasiosa.
Para obter essa cura, o tablado psicodramático, enquanto locus da realidade suplementar, acolheria uma concretização permitida, controlada e delimitada das fantasias e impulsos reprimidos, o que teria um impacto sobre a realidade suplementar vivida no contexto social, favorecendo sua substituição por novas versões mais próximas do que realmente as coisas são.
A prática do teatro espontâneo nos leva a questionar essa linha de idéias.
Em primeiro lugar, porque não é fácil sustentar a afirmação tradicional de que o psicodrama, ao permitir que se viva uma experiência pela segunda vez, favorece a descoberta dos fatos traumáticos reais da vida do protagonista e, por conseguinte, uma experiência reparatória.
É que, a rigor, é impossível viver a mesma experiência uma segunda vez, como em algum momento pretendeu Moreno. O que é possível é, no máximo, criar um símile caricato daquilo que o protagonista vai relatando, recompondo fragmentos, articulando-os com a ajuda de detalhes protéticos, na esperança de que o essencial seja revivido, ao menos no plano afetivo. Ou seja, a rigor se cria uma nova história com elementos atribuídos à original e se tenta produzir uma emoção que, de fato, é nova, mas que em tese seria idêntica à ocorrida por ocasião do evento focalizado.
Até porque ninguém sabe como é que as coisas aconteceram mesmo. Ainda que, numa hipótese extrema, altamente improvável, se pudesse reunir todos os participantes, na vida real, do episódio focalizado e se propusesse a eles uma reconstituição pericial “científica”, com certeza nos depararíamos com uma multiplicidade de versões. Não apenas pelo caráter seletivo do processo de memorização e recuperação de dados, mas principalmente pela diversidade dos pontos de vista. O resultado do empreendimento seria no máximo uma composição amigável de todas elas, como uma verdade aproximatória, feita de concessões mútuas.
Se levarmos em conta que o relato inicial do protagonista já é, desde sempre, uma realidade suplementar, nossa conclusão será de que o esforço de reconstituição apenas cria uma realidade suplementar alternativa. Talvez ela seja mais aceitável para o grupo e a esperança é de que seja mais confortável também para o protagonista. Com a ilusão de se ter alcançado a realidade.
O que fragiliza essa concepção moreniana de realidade suplementar são alguns de seus pressupostos não explícitos, que aliás freqüentam os escritos do próprio Moreno. Entre eles, o de que o mundo ideativo pode ser dividido em duas áreas distintas: a realidade e a fantasia.
A realidade, nessa acepção, corresponderia à máxima correlação positiva possível entre o mundo interno e o externo, à percepção objetiva, aos sentimentos adequados. Mais desejável que a fantasia, ensejaria a melhor qualidade adaptativa e, como decorrência, uma melhor qualidade de vida.
Já a fantasia seria uma área de infra-estrutura, uma espécie de laboratório onde se localizariam os sentimentos autônomos e os não expressos, as idéias provisórias e embrionárias, as conexões e desconexões experimentais, as visões desinformadas e imaturas próprias do psiquismo infantil. Seria ao mesmo tempo o “locus” da criatividade e o “lixão” psíquico. Perigosa, por constituir-se num virtual descaminho, na medida em que seus conteúdos podem vir a ser confundidos com os da realidade, o que condicionaria inadequações e sofrimentos.
A realidade suplementar seria, admitida dita polaridade, uma espécie de área de transição entre as duas instâncias, na qual algumas fantasias travestidas de realidades poderiam ser toleradas e, até mesmo, consideradas úteis. Foi a solução conceitual proposta por Moreno para resolver os problemas decorrentes da abordagem dicotômica que vinha acriticamente adotando.
Ainda nessa acepção, embora se possam encontrar elementos da realidade suplementar no cotidiano das pessoas, o ideal seria que elas pudessem dar-se conta dela, cotejando esses conteúdos com a realidade básica e livrando-se de algumas armadilhas neles embutidas. E o desejável, em termos de saúde, seria que as pessoas pudessem transitar entre fantasia e realidade com o máximo de desenvoltura, sem prender-se a nenhuma delas, pautando porém sua vida pelos princípios da realidade.
Com o teatro espontâneo, aprendemos a apostar no caráter metafórico de toda e qualquer produção cênica. Ou seja, mesmo quando a cena é construída a partir de fatos tidos como concretos, objetivos e indiscutíveis, o teatro como tal é sempre uma metáfora.
Essa aposta se baseia numa visão de mundo que desconfia sistematicamente das antinomias, inclusive do par de opostos fantasia e realidade. A realidade suplementar, que deriva dessa distinção, se torna por conseguinte também um conceito esvaziado: não há sentido em falar de ficções travestidas de realidades.
O corolário dessa tese é que o episódio contado pelo protagonista psicodramático, que chama a atenção para um fragmento de sua experiência pessoal, tem o mesmo valor existencial que uma história assumidamente inventada pelo grupo.
A diferenciação que tradicionalmente se faz é que no primeiro caso se teria uma tentativa de aproximação do fato concreto (supondo que exista semelhante concretitude e que seja possível apreendê-la e descrevê-la objetivamente), enquanto que na segunda hipótese se abriria mão dessa pretensão. Mas tal distinção deixa de ser relevante, porque a apreensão da realidade não passa necessariamente pela identificação digitalizada (14) de eventos históricos.
Pelo contrário, quando se assume a proposta de criar coletivamente uma nova história a partir do relato inicial do protagonista, de alguma maneira se alcança um novo patamar. A meta-mensagem é de que o protagonista, a partir do gemido de sua dor, abre as portas para a investigação/criação da vida, num plano mais abrangente.
Nesse novo contexto, a realidade suplementar conquista uma acepção epistemologicamente mais defensável: é a realidade criada no momento, como uma experiência de integração de múltiplos vetores num produto singular, o qual favorece a abertura para novos múltiplos sentidos, nenhum deles exclusivo e definitivo, nenhum deles ideologizante. Em outras palavras, para a espontaneidade.
III - Flexibilizando procedimentos
Outra vertente aberta pela experiência do teatro espontâneo é a possibilidade de focalizar o trabalho em algumas etapas específicas da prática teatral, sem a obrigação de cumprir sempre a mesma e completa trajetória. Isso, tendo em vista que a produção teatral é por demais complexa para que se possa circunscrevê-la sistematicamente ao tempo limitado de uma sessão improvisada.
Se um espetáculo de teatro convencional tem por detrás das suas duas horas de apresentação pública um trabalho de meses, por que o teatro espontâneo haveria de, onipotentemente, pretender um resultado no mínimo equivalente, sem esse investimento?
Podemos, por isso mesmo, pensar a produção grupal no teatro espontâneo tanto como dramaturgia (diegese) quanto como encenação (mimesis), funções essas identificadas da mesma forma que no teatro convencional.
Levando isso em conta, nossa experimentação permitiu a formulação de várias novas técnicas de teatro espontâneo, cada uma procurando aprofundar um aspecto específico do trabalho teatral, tratando de garantir, sempre, a meta da criação coletiva. Seguem-se dois exemplos: a “roda de histórias” e uma recriação do método Brechtiano das peças didáticas.
III. 1 A roda de histórias
Esse formato se inspira em tradições folclóricas. Os indígenas do centro-oeste brasileiro costumam reunir-se, no final do dia, no pátio interno da aldeia e, em pequenos grupos, contam e recontam histórias, principalmente engraçadas, que relatam ocorrências envolvendo os próprios membros da tribo.
Algo semelhante ocorre nas pequenas cidades do Interior do Brasil, onde ainda se conserva – apesar da força sedutora da televisão - o hábito de as pessoas colocarem cadeiras nas calçadas, ao fim do dia, e ali permanecerem conversando até que a noite imponha o toque de recolher. As pessoas que passam por ali inspiram as histórias que vão sendo relembradas, ou então entram na roda e participam.
Várias tradições regionais incluem costumes ligados à transmissão oral - ou mesmo através de literatura popular - da crônica dos acontecimentos significativos da comunidade.
Não é nova a idéia de reciclar esses costumes e utilizá-los como proposta artística ou terapêutica. O Playback Theatre, por exemplo, se estrutura em torno da idéia de contar histórias. A função dramatúrgica é repartida entre o público e os atores, com o diretor fazendo a mediação e dando as coordenadas: o público narra os casos e os atores os recriam quando os encenam. A reflexão teórica aponta para a hipótese de que as cenas relatadas traduzem, metaforicamente, as linhas de força que atravessam o grupo no momento. A transformação delas em texto teatral é, porém, tanto mais forte esteticamente quanto menos os atores se preocupam em traduzir racionalmente essas mensagens. Em outras palavras, depende do quanto eles sejam capazes de, intuitivamente, fazer da história que representam a sua própria história.(12)
Na técnica de Kesselmann e Pavlovski (multiplicação dramática) também se estimula que as pessoas contem histórias. Numa réplica da associação livre da psicanálise, pede-se ao grupo que, a partir de uma cena protagônica, apresente cenicamente as histórias que são suscitadas como ressonância da primeira e, na seqüência, as novas ressonâncias que respondem à primeira onda. Não existe nenhuma preocupação de fazer uma amarração final do que foi produzido pelo grupo, importando antes a vivência da multiplicidade.(7)
Na nossa roda de histórias, os membros do grupo se colocam em círculo, ao centro almofadas e/ou outros objetos representam uma fogueira, as pessoas vão contando as histórias que lhes ocorrem, como se estivessem ao pé do fogo. À moda do Playback Theatre e diferentemente da multiplicação dramática, não se procura estabelecer um conflito básico em torno do qual as histórias se vão produzir, abrindo-se com isso a possibilidade de que ocorra também uma pluralidade de conflitos; na prática, porém, o movimento do grupo tende a enfatizar ou privilegiar uma área de tensão entre as muitas suscitadas. Se alguma das histórias desperta interesse especial no sentido de que se deseje vê-la representada, interrompe-se a seqüência e o relato é dramatizado. As encenações são livres, podendo tanto reproduzir literalmente o relato no qual se baseiam como criar uma nova história a partir dele. Ao diretor cabe o papel de coordenar a produção cênica, respeitando o caminho escolhido pelo elenco. Após a dramatização, volta-se ao círculo para novas histórias, sem acrescentar nenhum comentário: as próprias histórias suscitadas darão conta das críticas e dos compartilhamentos.
Na gênese dessa proposta estão as pesquisas que levamos a efeito sobre o aquecimento no teatro espontâneo, em que uma das nossas constatações foi de que havia necessidade de fazer uma preparação dos participantes do evento para o papel de autores do texto teatral que se pretendia criar.
Uma das vias encontradas para esse aquecimento foi propor exercícios de criação de histórias a partir de lembranças de cenas pessoais, seja por metonímia, como na multiplicação dramática, seja por indução temática (proposta de que a cena relembrada esteja associada a um tema ou sentimento dado) ou associação dirigida (cena que tenha a ver com um relato ou acontecimento vivido no momento).
Em qualquer dessas estratégias, a tendência era a de se conseguir um envolvimento gradativo do grupo, evidenciado na intensidade emocional crescente das histórias trazidas ao longo do tempo da sessão, no entrelaçamento cada vez maior das diferentes histórias e na crescente prontidão com que elas tendiam a aparecer.
Esse movimento mostrava repercussões no processo da criação coletiva, com o aporte significativo de contribuições advindas de todo o grupo e com o elevado grau de comprometimento dessas participações.
A descoberta da importância das histórias tem sido, aliás, uma das características do momento atual de nossos trabalhos. E com elas, a valorização da função dramatúrgica no teatro espontâneo, um aspecto que até então vinha merecendo uma atenção secundária, posto que a encenação ocupava o posto de maior relevância.
O mais curioso dessa descoberta é que as histórias não precisam ser, necessariamente, histórias vividas pelo seu narrador, nem tampouco histórias da assim chamada vida real. Podem ser de terceiros, como podem ser de ficção. Aliás, parece haver uma correlação entre espontaneidade e capacidade de expressar-se através de um ato intencionalmente criativo, como a ficção pura. A verificar.
Esses experimentos têm sugerido uma hipótese relativamente ousada a respeito da psicoterapia: a de que o efeito terapêutico pode estar ligado muito mais ao fato em si de as pessoas contarem histórias, do que propriamente às tentativas de identificação e conscientização do sentido, ou mesmo dos sentidos, dessas histórias.
Ao se oferecer a oportunidade de contar histórias, estimula-se o reencontro com aspectos que ficaram perdidos na trajetória da vida, recuperando assim extensas áreas desertificadas, que podem recobrar vitalidade, significado e importância.
Relembrar histórias permite reintegrar a história, o que teria como efeito principal o fortalecimento da identidade, especialmente na medida em que o relembrar acontece dentro de um contexto de aceitação e valorização das reminiscências e invenções, sem críticas ou explicações que as coisifiquem.
O fato de essas histórias surgirem num ambiente coletivo é duplamente importante. Primeiro, porque valoriza o indivíduo na sua singularidade existencial, sem o risco de transformá-lo em vítima, doente, incompetente ou desastrado. Segundo, porque as histórias pessoais se interligam pelo que elas têm de comum enquanto parte da história da coletividade, não pela semelhança temática mas pela complementaridade. A coletividade também sai fortalecida porque dessa forma também acaba se reconectando com seus próprios aspectos desertificados.
Do ponto de vista da espontaneidade, o fato de aumentar a área de circulação das idéias e dos sentimentos representa um aporte significativo de insumos para as novas respostas requeridas pelas sempre renovadas situações de vida.
III.2 A peça didática
A peça didática (ingl.: Learning Play; alem.: Lehrstück) é uma das formas de teatro desenvolvidas por Brecht, como ferramenta para promover a consciência política, principalmente da classe operária. “Através da peça didática, Brecht propõe a superação da separação entre atores e espectadores, através do Funktionswechsel (mudança de função) do teatro”. (8).
Trata-se de textos condensados, de fácil manejo por pessoas leigas, que focalizam aspectos específicos das relações sociais. Esses textos eram trabalhados com pequenos grupos, aos quais se propunha sua discussão e representação.
A tradução dessa proposta para o âmbito do teatro espontâneo favoreceu o desenvolvimento de três formas alternativas de trabalho.
A primeira concentra-se na tarefa dramatúrgica propriamente dita. Consiste em criar e escrever coletivamente um texto teatral, tomando como padrão literário as peças didáticas de Brecht.
O processo se inicia com as primeiras intuições, explicitadas através da descrição de sensações individuais ou, preferentemente, da narração de episódios cuja lembrança, ainda que fragmentária, vai ocorrendo aos membros do grupo.
Esse material inicial vai sendo elaborado, buscando-se seu aproveitamento na construção de pequenas histórias coletivas. Ainda em estado bruto, elas podem ou não ser representadas experimentalmente, para em seguida serem re-combinadas e buriladas, até que se chegue a uma pequena peça, devidamente formatada em literatura dramatúrgica, com determinadas características pré-definidas tais como extensão, número de personagens, ambientação etc..
A atividade, que em geral se estende por algumas horas, se encerra aí, sem que o texto, em sua forma final, venha a ser efetivamente representado.
A outra versão do método tem as características de um ensaio de encenação. Consiste em oferecer ao grupo uma pequena história, cujo texto, previamente elaborado, deve ser representado sucessivas vezes, não se permitindo que seja alterado. O que pode variar é a forma da encenação.
Após cada encenação se faz um debate voltado para o aprofundamento da compreensão dos vários sentidos do script e das mensagens cênicas produzidas. As discussões inspiram novas alternativas de atuação, que procuram traduzir dramaticamente as emoções mobilizadas.
Os membros do grupo se revezam nos diferentes papéis, inclusive o protagônico (aqui, o protagonista é o personagem central da trama descrita no texto e não o ator que o representa). Assim, num comprometimento crescente, o grupo vai mergulhando nos novos sentidos que vão sendo identificados a cada módulo representação-discussão.
A terceira alternativa, um trabalho bem mais longo, une as duas primeiras: o grupo cria o texto e, em seguida, entrega-se à tarefa de explorar as múltiplas possibilidades de representá-lo.
IV – Construção coletiva do conhecimento
Embora o teatro espontâneo não tenha como objetivo retratar a vida, ele é um poderoso instrumento para se investigar as relações que acontecem dentro de uma comunidade.
Na medida em que as pessoas participam do processo de construção do espetáculo, elas vivenciam suas relações com os demais participantes de uma maneira reveladora de aspectos da vida social que nem sempre lhes eram tão evidentes.
Elas se descobrem na atuação dos outros, elas se mostram e se descobrem a si mesmas, elas descobrem os outros, elas descobrem novas possibilidades de relação e novos potenciais. Tudo isso de uma forma tão integral que nem sempre há necessidade de que essas descobertas sejam racionalmente organizadas.
A discussão do ocorrido e a verbalização da experiência, quando acontecem, em geral demonstram como o trabalho pode abrir o horizonte dos sentidos e iluminar a vida como um todo. Nesse caso, nem é necessário que algum analista experiente faça uma leitura em princípio mais competente – e por suposto mais “correta” - do que aconteceu numa sessão para que a experiência alcance seus objetivos. Os próprios participantes se encarregam disso e oferecem as mais diferentes visões do mesmo evento.
A imersão dos sujeitos no processo constitui em si o requisito de aprendizagem mais do que suficiente.
Aprendizagem. Sim, esta é uma situação típica de aprendizagem, em que o papel do diretor-educador se define de um lado pela intervenção facilitadora e de outro pelo seu comprometimento total com a situação, de modo a se tornar também ele um aprendiz tanto quanto os outros, a despeito da diferenciação de papéis.
Essa forma de aquisição de conhecimentos se caracteriza principalmente pelo seu aspecto coletivo, ou seja, o conteúdo dominado não constitui propriedade individual, que possa ser utilizado quando e como seu proprietário venha a desejar, que possa inclusive ser sonegado ao seu bel prazer ou utilizado como instrumento de dominação. É a coletividade a detentora do conhecimento adquirido. E como tal, o saber é acionado sempre a partir das relações que se dão no interior dessa mesma coletividade, fenômeno que enriquece a compreensão daquilo que Moreno chamou de co-consciente e co-inconsciente.
Esse modelo de aprendizagem, em suas várias vertentes e desdobramentos, está na base da filosofia educacional contemporânea, que aos poucos vai abrindo mão de práticas tradicionais baseadas no pressuposto de que o professor sabe e o aluno não, e de que o bom professor é aquele que é capaz de fazer com que seu aluno fique sabendo aquilo que ele sabe, e o bom aluno o que é capaz de sair da situação sabendo o que o mestre lhe ensinou.
Na pedagogia pós-moderna não se nega que em princípio possa haver uma diferença significativa no cabedal inicial de conhecimentos entre professor e aluno, nem que esse fato seja relevante no processo de aprendizagem. O que se acentua, entretanto, é que a construção do conhecimento envolve ambas as partes no mesmo projeto, na mesma situação, sendo que o resultado da experiência implica em que todos enquanto indivíduos e enquanto coletividade vão ter acrescentado alguma coisa ao que já sabiam.
O conteúdo específico da aprendizagem não é pré-determinado, e está condicionado a circunstâncias imponderáveis. Depende, por exemplo, dos conhecimentos prévios e do quanto a experiência presente se faz organizadora desses conhecimentos; depende do significado que determinadas ocorrências adquire para os participantes do processo; depende das emoções mobilizadas e da carga afetiva que permeia a experiência. Ou seja, depende de uma infinidade de fatores que também estavam presentes nas práticas pedagógicas tradicionais, só que estas não as levavam na devida conta e, por isso mesmo, enfrentavam um desgaste muito maior para um resultado muito menor.
Por outro lado, não se espera de um processo educativo menos do que a assimilação de novos conhecimentos que resultem em mudanças significativas no processo vital.
O conhecimento se constrói a partir de necessidades, interesses, motivações e, principalmente, de iniciativas do sujeito. A construção implica um agir sobre o objeto do conhecimento, desafiá-lo, tentar transformá-lo, estabelecer com ele uma relação a mais completa possível, o que inclui, de acordo com os educadores, um componente emocional que deixa de ser visto como mero fundo para se tornar figura.
Ora, tudo isso tem a ver com a visão psicodramática do processo terapêutico. Moreno acentuava que a pesquisa social do psicodrama dava a cada um dos participantes o status de pesquisador, ao mesmo tempo que na psicoterapia de grupo psicodramática todos os participantes são terapeutas.
Essa proposta “construtivista” moreniana tem uma implicação política importante, porque ao anarquizar a posse do conhecimento desconcentra as instâncias de poder.
Isso não significa que as estratégias de construção do saber possam prescindir de estruturas institucionais e, principalmente, de lideranças devidamente treinadas, capacitadas e conscientes dos propósitos que inspiram o instituído. Estrutura institucional, liderança, tudo isso sugere poder. Que nesta perspectiva, entretanto, se afigura autofágico: é um papel transitório que se define por uma tarefa cuja finalização implica a auto-dissolução da simetria vincular. Uma versão provavelmente mais sadia do amadurecimento, que afasta o fantasma do parricídio.
A terapia psicodramática está, pois, tão próxima da educação que, com facilidade, se poderia caracterizá-la como um processo educativo. Por outro lado, a educação que se baseia nos princípios acima descritos, tão próximos da prática do teatro espontâneo e do psicodrama, pode ser tranqüilamente descrita como um processo terapêutico.
Mesmos nos casos tidos como mais graves, a psicoterapia acaba adquirindo um caráter de aprendizagem da conviver com limites, seja a psicoterapia considerada um processo de transformação exclusivamente individual, quer seja vista de maneira mais abrangente, para alcançar principal ou subsidiariamente as relações interpessoais. O pressuposto, nesse caso, é de que não estão sendo satisfatórias as formas encontradas até então para resolver problemas decorrentes de alguns dados invariáveis ou dificilmente modificáveis – como, por exemplo, um mal incurável. A terapia constitui um processo de busca de alternativas, de aprendizagem de novos caminhos.
Para o terapeuta, da mesma forma que para o educador, essa perspectiva é extremamente libertadora, porque abre os horizontes e elimina algumas barreiras que, a pretexto de definir limites de papel, acabam castrando a relação e impedindo que ela seja mais fluente. E influente.
Quando o terapeuta tradicional se vê “ensinando” alguma coisa para o seu paciente logo é aconselhado a reprimir-se, acusado pela sua própria consciência de estar extrapolando seu papel e distorcendo o objetivo da relação.
Da mesma forma, o educador tradicional, quando se depara com algumas situações problemáticas de seu cliente, ao invés de seguir em frente para ajudá-lo a resolver, interrompe a sua intervenção e o remete a um terapeuta – mesmo quando a rigor sabe que poderia ampliar o âmbito de sua própria atuação educativo-terapêutica.
O psicodramista é, pois, ao mesmo tempo um terapeuta e um educador. Isso lhe amplia a responsabilidade ao mesmo tempo em que lhe desata as mãos.
Sob esse aspecto, evidencia-se uma divergência entre o teatro espontâneo e a linha do psicodrama que opta pelo modelo clínico tradicional. Este baseia-se na definição de uma patologia a ser eliminada, uma enfermidade identificada através de sintomas e sinais, cuja etiologia condiciona a eficácia das intervenções terapêuticas a serem adotadas. Neste modelo, o psicodrama também tem seus sintomas-alvo e se preocupa com os resultados, avaliando-os pela comparação entre o obtido e o desejado (ou desejável), entre o alcançado e o esperado (ou esperável). Em outras palavras, se o remédio foi eficaz ou não. O modelo do teatro espontâneo é outro: ele se baseia no potencial transformador da arte.
V – O potencial transformador da arte
O teatro espontâneo é antes de tudo uma forma de fazer teatro e, portanto, uma legítima modalidade artística.
O fazer artístico implica uma relação especial do sujeito com o mundo que o cerca, na qual o sujeito abre toda a sua sensibilidade para captar sentidos e traduzir essa experiência numa forma que, no dizer de Buber (5), a ele se apresenta e com a qual tem um verdadeiro encontro.
Pelo envolvimento da totalidade do ser, essa experiência é tida como diferente de todas as outras que podem ser vividas no cotidiano, nas quais apenas uma parte do ser se encontra comprometida.
Experiências parciais podem muito bem proporcionar emoções intensas, aprendizados, lembranças significativas, insights etc.. Nesse sentido, toda e qualquer experiência pode ser considerada transformadora, porque ao final dela - se por algum critério esse final puder ser identificado - o sujeito incorporou algo novo, ampliou ou restringiu suas possibilidades de respostas vitais.
Já o encontro com a forma, característica essencial da experiência artística, vai mais além porque reposiciona o sujeito no mundo, alterando todas as suas relações. Não se trata de um mero compreender o que se passa dentro ou em torno de si, nem tampouco de uma purgação transitória e circunstancial de emoções eventualmente congestionadas. O que a experiência do encontro proporciona é uma iluminação singular que afeta mais profunda e amplamente o sujeito, integrando-o no fluxo da vida como agente criador.
Essa tese esbarra numa freqüente objeção, que sustenta que nesse caso todo artista deveria ser uma pessoa emocionalmente equilibrada, o que na prática não se constata.
O critério do equilíbrio emocional traduz uma visão pasteurizada de mundo, em que se valoriza um determinado tipo de enquadramento do indivíduo dentro da ordem social, estabelecendo-se como ideal que não haja desajustes, nem questionamentos, nem intensidades fora do padrão.
Nessa perspectiva utilitária, é fundamental que, quando se fala de transformação, se estabeleçam com clareza o ponto de partida e o ponto de chegada: da dor à quietude, da dúvida à certeza, do desconforto ao conforto, do desencaixe ao encaixe, e assim por diante.
A arte é porém uma modalidade de conhecimento que não se alcança através das estratégias desenvolvidas pelas ciências, tal como oficialmente caracterizadas, mas por uma via diferente, que passa pela vivência do caos e se funda na intuição, na sensibilidade, na criatividade.
A validação do saber assim alcançado não se pauta pelos mesmos padrões que são aplicáveis à pesquisa científica. É praticamente impossível, se não inútil, fazer uma descrição detalhada dos procedimentos que foram adotados para se chegar ao que se chegou. Muito menos ainda, repetir a experiência e verificar se na réplica se confirmam os achados anteriores.
A confiabilidade da arte como instrumento de construção do saber está longe daquela alcançada pelas ciências tradicionais, também porque nestas se consegue, de alguma maneira, desvincular da pessoa do pesquisador os resultados alcançados, enquanto que no plano artístico a comunicação é fundamentalmente inter-subjetiva, ainda que mediada pela obra.
Para responder a essa necessidade de estabelecer parâmetros de confiabilidade, Moreno propôs a validação existencial. Mas essa sua proposta só é pertinente dentro de um quadro epistemológico que se afine com o pensamento existencialista, em que o que conta é o singular e não o padrão. Fora dele, não faz sentido.
A única possibilidade da arte é uma mudança que não define o de onde e o para onde. Por isso, quando se afirma que a arte tem um poder de transformação e que esse potencial pode ser mais explorado do que tem sido, a questão da confiabilidade não pode ser colocada como tem sido feito tradicionalmente.
Entendo, a propósito, que a chamada arte-terapia, que teve seu brilho há tempos atrás, caiu em descrédito não porque se tenha constatado que o seu alcance era mais limitado do que parecia, mas muito mais porque tentou enquadrar-se dentro de uma perspectiva cientificista, objetivo desde sempre condenado ao fracasso. Esse é o destino também do próprio psicodrama, quando tenta cientifizar-se dentro dos padrões convencionais.
No entanto, contra tudo e contra todos, a arte não só é uma forma de conquista do saber, como o é de forma privilegiada, vanguardista, com um alcance que sobrepassa muitas vezes o que consegue a metodologia científica.
Como se vale da intuição, mantém contato direto com o objeto, sem mediações demasiadas que consomem energia e muitas vezes perdem o alvo. Seu poder de transformação também se potencializa, uma vez que atua tanto ao nível dos indivíduos em particular - que se envolvem no ato de criação e sofrem o impacto do produto estético - como também ao nível macro, como o fermento que faz crescer a massa, como o trickster que gesta as grandes revoluções (4).
O teatro espontâneo é uma forma de arte e nesse enfoque reside o seu maior potencial. Mas, então, nesse caso, onde fica a responsabilidade do terapeuta que é procurado para ajudar o paciente a superar uma dor que o atormenta e que precisa ter alguma garantia de que o seu pagamento terá uma contrapartida confiável? Não depende a arte de inspiração? Como fica o cliente se o profissional não estiver inspirado naquele dia ou naquela fase? Se ele mesmo não estiver inspirado para co-laborar com o terapeuta? Se eles não conseguem de imediato uma relação télica (tele relationship)? Paga assim mesmo? Adia a solução de seus problemas? E como pode ter certeza de que não está tratando com um embusteiro?
São perguntas difíceis de serem respondidas. No entanto, uma certeza se pode ter: é engano ledo e cego pensar que a ciência representa um verdadeiro e infalível antídoto contra o charlatanismo.
Todo terapeuta sabe que o seu conhecimento científico é limitado e é apenas instrumental e que, a rigor, o que conta é mesmo a sua inspiração, a sua disponibilidade, a magia que se instaura na sua relação com o paciente a partir da afinidade, da confiança e aceitação mútuas e um coquetel de condições muito mais ligadas à subjetividade do que ao cabedal de conhecimentos (13).
Isso não significa, entretanto, que os conhecimentos sejam inúteis ou desnecessários. Ferramentas e know how compõem, juntamente com as mãos do cirurgião, um conjunto único e inseparável. Assim como acontece com o escultor, o dançarino, o pintor, o diretor de cinema, o escritor.
A arte não é caótica. O bom pintor sabe que ao usar aquarela precisa de um determinado tipo de papel, e que a têmpera se obtém com determinados ingredientes e não com outros, que determinados pincéis ou espátulas são mais adequados do que determinados similares. Ou seja, o bom artista tem que dominar a técnica. Só a técnica, porém, não faz bons artistas.
Não existe conhecimento inútil quando se faz arte.
O que faz a diferença, no nosso caso, é saber se o modelo de trabalho privilegia a pesquisa clínica tradicional, buscando explicações para o sofrimento e as maneiras de eliminá-lo, ou se se opta por criar oportunidades de liberar a espontaneidade através de uma experiência de criação, acreditando que a abertura da vida para novos sentidos é o de que as pessoas estão realmente precisando, e que a arte é capaz de proporcionar as condições para que isso ocorra.
A perspectiva do teatro-arte favorece, inclusive, uma nova alternativa, do ponto de vista epistemológico. O objeto do conhecimento deixa de ser o comportamento individual (do paciente); não mais interessa investigar suas peculiaridades e eventuais patologias. As luzes são direcionadas para sua inserção sócio-histórica, o que permite transpor mais uma clássica dicotomia: individual versus coletivo.
É preciso entretanto não confundir essa perspectiva com a que tem sido referida na literatura como a área das relações, do interpessoal, das inter-relações, do inter-psíquico, da inter-subjetividade e outros termos semelhantes. Isso porque todos eles são mais restritivos do que convém a uma fiel definição do novo campo proposto, dado que ainda se baseiam, via de regra, na contraposição entre coletivo e individual e declaram priorizar o primeiro. Muitas vezes, entretanto, continuam focados no segundo, investigando nele as emoções e as representações mentais subjacentes ao intercâmbio com os seus parceiros de relação.
A abordagem artística propicia uma visão molar - em contraposição à molecular - enquanto modelo lógico, embora a prática possa divergir, em pontos significativos, do que se conhece como “terapia sistêmica”, “terapia holística” ou mesmo “terapia gestáltica”, correntes que se situam dentro do mesmo espectro.
A diferença fundamental é, nesse caso, o pressuposto de que o conhecimento-arte se constrói nas tentativas transformar a realidade, com a participação de todas as pessoas envolvidas nesse processo, sendo que a transformação se faz possível através da experiência de co-criação como tal.
Na maior parte das vezes, o que motiva a intervenção é uma dor, em geral localizada num ou mais indivíduos, o que constitui uma permanente tentação no sentido de “desligar o alarme o mais rápido possível para que não mais incomode”. O cientista-artista-observador, entretanto, não se pretende à margem do fenômeno estudado e a intervenção terapêutico-educativa se dá de dentro e não de fora.
O PSICODRAMA A DOIS
Todo esse conjunto de reflexões a respeito do teatro espontâneo – e, por extensão, do psicodrama - tem como referência o trabalho com grupos. A aplicação desses princípios às situações em que se tem apenas o terapeuta/diretor e o cliente/protagonista, é o que nos cabe examinar, em seguida.
Vale lembrar que mesmo o psicodrama clássico, sem as contribuições advindas das novas experiências com o teatro espontâneo, tem sido visto, tradicionalmente, como um instrumento adequado para a atuação com grupos, insuficiente porém nos atendimentos individuais.
No entanto, é preciso que levemos em conta que o que se chama de “psicodrama clássico” está longe de qualquer unanimidade quanto ao seu significado. Aliás, são quase 80 anos de história do teatro da espontaneidade e da psicoterapia psicodramática, desde que Moreno realizou suas primeiras investidas nessa área, no entusiasmo de sua juventude e na efervescência cultural de sua época e de seu meio.
De lá para cá, como acontece com todas as idéias simples, seu método tem sido adotado por um número cada vez maior de pessoas que trabalham com gente. Todos esses adeptos têm feito contribuições significativas, umas mais outras menos, tanto do ponto de vista das práticas utilizadas como das reflexões teóricas, de tal forma que se tem hoje um conjunto de procedimentos que representam, no seu todo, um enorme avanço em relação às propostas originais do criador.
É o caso do psicodrama à deux que, por força de inúmeras circunstâncias, acaba sendo tão diferente do psicodrama grupal clássico que poderia caber a dúvida: mas isso é psicodrama?
A resposta nos sugere que, com toda essa evolução, o campo do psicodrama acabou por constituir-se num espectro tão amplo que para investigá-lo pode ser útil o modelo conhecido como air de famille. Umberto Eco (6) utilizou-o em sua discussão sobre o totalitarismo, em que explora exatamente o parentesco entre diferentes idéias, como demonstrado no gráfico abaixo.


A B C
B C D
C D E
D E F

A, B, C, D, E, F designam idéias distintas. A idéia A tem pontos em comum com B e com C; B e C têm pontos em comum com D, enquanto que D nada tem em comum com A; C e D partilham características com E, enquanto que E nada tem a ver com A e B; D e E guardam semelhanças com F, sendo que esta não tem qualquer identidade com A, B e C. Dessa forma, o espectro ABC, BCD, CDE, DEF inclui dois conjuntos, ABC e DEF que são absolutamente dessemelhantes e no entanto estão incluídos dentro de um mesmo campo.
De acordo com esse modelo, muitas práticas ditas psicodramáticas acabam sendo tão diferentes de tantas outras que o fato de terem a mesma designação pode até mesmo ser desconfortável para um ou outro segmento profissional. Não apenas por uma questão de status como principalmente pelo baixo potencial de intercâmbio efetivo de experiências.
Na verdade, o empenho em identificar características fundamentais que possibilitariam o enquadramento das diferentes práticas na categoria mais geral de psicodrama tem resultado infrutífero, porque se tem constatado que nenhum item pode ser considerado como referência sine qua non.
E a utilização do psicodrama dentro do setting da terapia individual é um caso típico, na medida em que foi criado e desenvolvido para o trabalho com grupos, tornando-se indispensável adequar suas propostas a essa nova situação, para que possam responder a esses novos desafios.
O processo de metamorfose técnico-teórica se dá, necessariamente, dentro de um determinado contexto sócio-histórico-cultural, e para ser compreendido deve ser sempre a ele referido. Por isso, considero importante explicitar algumas características do meio em que foi gerado e gestado o psicodrama bi-pessoal, objeto destas considerações.
I. Um panorama histórico
O locus é o Brasil, um imenso país-laboratório, que vive o clima de que tudo está para ser feito ainda, sendo interessante um rápido olhar sobre as circunstâncias históricas que presidiram a adoção e a expansão do psicodrama nessa parte do mundo.
Conquanto os primeiros psicodramatistas tenham surgido em meados do século XX, por influência dos pioneiros de França, o boom aconteceu no final dos anos 1960, com um impulso suficiente para mantê-lo em crescimento acelerado até o final da década seguinte, tendo como epicentro o congresso internacional de psicodrama realizado em São Paulo, exatamente em l970.
Nessa época, a nação vivia sob violenta opressão política de um regime militar, muito eficiente no desmantelamento de quaisquer tentativas de organização do povo em torno de idéias políticas divergentes daquelas defendidas pelo segmento dominante.
Por outro lado, no campo da psicologia e da psiquiatria, a prática psicanalítica era sumamente elitista, somente acessível a uma parcela muito pequena da população, economicamente diferenciada. A restrição era de tal ordem que mesmo os profissionais da área - na época incluídos entre os 1% da população que tinham acesso a formação de nível universitário - dificilmente poderiam suportar os ônus financeiros da carreira psicanalítica. A busca do saber psicanalítico acabava utilizando, preponderantemente, por falta de alternativas melhores, a escassa bibliografia disponível, e muito pouco a análise didática e o controle.
O surgimento do psicodrama veio responder, assim, a imperiosas necessidades sociais: por um lado, a oportunidade de reunir-se em grupos, sem riscos de repressão, por se tratar de uma atividade psicoterapêutica, em princípio acima de qualquer suspeita; por outro, o acesso a uma ferramenta de trabalho e a um treinamento, que incluísse a terapia pessoal, cujos custos fossem razoáveis.
A difusão do psicodrama foi, talvez em função disso, muito rápida, tanto em termos do número de profissionais que buscaram esse tipo de especialização quanto em termos da dimensão da clientela: quase todos os consultórios viviam lotados de grupos e mais grupos de psicoterapia psicodramática.
A velocidade de expansão significou, inevitavelmente, uma perda de qualidade. A imagem do psicodrama, de início bastante sedutora, foi-se tornando a pouco e pouco desgastada, impregnada de uma avaliação negativa: os psicodramistas eram vistos como superficiais e irresponsáveis.
Veio o período da depuração. Um número significativo de profissionais foi-se desencantando e buscando alternativas por eles consideradas cientificamente mais bem fundamentadas e portanto mais defensáveis. No outro extremo, uma boa quantidade de profissionais, que haviam aderido ao hedonismo fácil que aparentemente era oferecido pelo psicodrama, acabou abandonado pela clientela e desaparecendo do cenário.
Os que permaneceram foram os que entenderam que as boas perspectivas do psicodrama estavam associadas ao empenho em desenvolvê-lo assim como ao reconhecimento de que se tratava de uma alternativa que, embora incipiente, parecia válida e promissora.
Para alcançar melhor fundamentação haveria que buscá-la não onde a lavra já havia sido feita e os resultados já estavam expostos, mas sim na prospeção e exploração de novas jazidas. Na extração de ouro, tanto de rios como do subsolo, muita areia e muito cascalho sem valor precisam ser retirados, pois o minério precioso esconde-se em meio a esses elementos considerados “imprestáveis” e portanto descartáveis. Da mesma forma, muitos descaminhos foram necessários - dos quais uma grande parte perdura até hoje - para que o psicodrama pudesse acrescentar uma quantidade significativa de novos conhecimentos e novos desenvolvimentos.
A bibliografia produzida nesses trinta anos foi volumosa (provavelmente um recorde mundial, desconhecido fora dos países de língua portuguesa), se levarmos em conta o número de livros e artigos publicados. Infelizmente, não se fêz até o momento nenhum trabalho de rastreamento e catalogação capaz de oferecer um panorama completo desse material. É difícil inclusive estimar a imensa produção que permaneceu inédita e que se perde nos arquivos empoeirados das dezenas de instituições que se organizaram em todo o país.
II. Fazer psicodrama com um único paciente
Em meio a esse processo, um desafio estava sempre presente: como poderia um profissional, trabalhando sozinho, atender pacientes individuais utilizando o referencial psicodramático? Os neo-psicodramistas, que vinham de uma outra formação teórica anterior tinham como alternativa dividir-se: utilizavam o psicodrama no atendimento de grupos, e no atendimento individual a técnica que já dominavam antes, sendo o caso mais comum, a psicanalítica. Mas essa solução só era viável para o profissional que contasse com uma dupla formação e deixava de lado a verdadeira dúvida.
O próprio Moreno aliás chegou a deparar-se freqüentemente com esse problema, e sua solução foi recrutar familiares e colegas profissionais que estivessem disponíveis para comporem um grupo ad hoc.
Não se caracterizava, nesse caso, um grupo terapêutico, psicoterapia de grupo, no sentido de um trabalho realizado com vários pacientes reunidos, sob a direção de uma equipe terapêutica. Era um grupo muito peculiar, não havendo registro de que a sociodinâmica desse grupo, assim improvisado, tenha sido tomada como relevante para o trabalho com o protagonista.
Como já se sabia de antemão quem era o protagonista, ele não tinha o caráter de emergente do grupo imediato, provisoriamente composto. O sentido de sua “doença” era buscado nas características de seu átomo social ou da comunidade mais ampla a que pertencia, como por exemplo no caso do psicodrama de Karl “Adolf Hitler”(11), o que empresta um colorido especial ao conceito de protagonista.
No entanto, o grupo hic et nunc não era tomado como a matrix da história que se representava. Os participantes da sessão apenas desempenhavam os contra-papéis indispensáveis à encenação, recebendo do diretor Moreno incumbências muito específicas para viabilizar o trabalho.
Por isso mesmo, o procedimento não configurava exatamente uma criação coletiva, que fosse produto da espontaneidade grupal, mas sim um teatro improvisado cujos atores recebiam um script elaborado no momento, pelo diretor ou pelo protagonista, devendo restringir-se às tarefas que lhes eram solicitadas.
Essas experiências de Moreno inspiraram, na medida em que o psicodrama se foi espalhando pelo mundo, a modelagem de uma equipe terapêutica profissional - diretor e auxiliares - que pudesse dar conta das necessidades da dramatização do paciente. A prática recomendava que, na impossibilidade de se trabalhar com vários auxiliares, houvesse pelo menos dois, um masculino e outro feminino, para facilitar a representação de papéis em que o gênero fosse a característica mais importante e em situações em que se configurasse a conveniência de que personagem e ator pertencessem ao mesmo gênero. Como concessão máxima, dever-se-ia ter pelo menos um auxiliar para contracenar com o paciente/protagonista, de preferência de gênero oposto ao do diretor.
Na evolução do psicodrama brasileiro, entretanto, a variável econômica tende a sobrepor-se aos demais critérios. Isso significa que qualquer solução que represente a necessidade de remunerar mais de um profissional, implicando um aumento de custo, costuma ser inviável para a esmagadora maioria da clientela potencial. O psicodrama bi-pessoal veio em grande parte como decorrência da aplicação desse critério.
Para viabilizá-lo, incontáveis modificações técnicas foram sendo experimentadas ao longo dos anos. Não me ocuparei delas, neste texto, seja para comentá-las em detalhes, seja para ensaiar uma visão de conjunto, o que já tentei num trabalho anterior(1). Desta feita, meu objetivo é mais restrito, limitando-se ao esforço no sentido de descrever algumas dessas adaptações, na perspectiva do teatro espontâneo.
Trata-se de uma visão bastante específica, fundada em alguns pressupostos que não são universais no campo profissional do psicodrama, e que constituem, antes de tudo, uma proposta de investigação prático-teórica. Sua singularidade não tem pretensões excludentes, almejando antes a revitalização do psicodrama, tanto pelo desafio desconstrucionista quanto pela descoberta de novas possibilidades.
III. O conceito teatral de protagonista
No linguajar psicodramático, o termo protagonista é utilizado quase sempre como sinônimo de cliente. Ou, numa acepção um pouco mais rigorosa, como aquele cliente que traz o problema pessoal que vai ser dramatizado.
No teatro, como em outras artes cênicas, o protagonista é o personagem central da história que está sendo relatada e esse personagem é representado por um ator (assim como os demais papéis são representados por outros atores).
No psicodrama clássico, ator e personagem central da trama se confundem, uma vez que a encenação pretende reproduzir um episódio da vida pessoal de quem trouxe o problema e que é convidado a concretizá-lo no palco.
No teatro espontâneo, essa sobreposição de ator e personagem no papel protagônico costuma acontecer com uma certa freqüência, mas não é conditio sine qua non. Mas mesmo quando o papel principal não é desempenhado por quem trouxe o embrião da história, o personagem protagônico continua sendo o eixo para a estruturação da narrativa.
O que fundamenta esse procedimento do teatro espontâneo é o pressuposto de que no personagem protagônico se cruzam forças socio-históricas e que a produção coletiva da história do personagem (não necessariamente do ator) permite a liberação, a circulação e o remanejamento dessas forças. As contribuições dos demais participantes – atores, espectadores ou técnicos - não apenas viabilizam e reforçam como também legitimam a protagonização.
É verdade que em algumas situações o proponente da história pode ser caracterizado como um emergente grupal, ou seja, o porta-voz mais eloqüente desses movimentos, naquele momento dado. Em tese, porém, qualquer membro do grupo pode ser considerado uma testemunha da história. Ou seja, não apenas um relato aparentemente periférico pode ser extremamente significativo, como se pode encarregar qualquer membro do grupo de representar, no contexto dramático, o personagem central dessa cena. Todos os caminhos levam a Roma!
Na terapia individual, a história protagônica é, por definição e convenção, trazida pelo cliente. E ele é, também por definição e convenção, o ator que vai assumir o personagem central desse texto. Eventualmente, esse personagem central pode ser uma outra pessoa, que não ele mesmo; existe inclusive a possibilidade de que ele nem sequer esteja incluído na história a ser representada.
Em qualquer caso, porém, poderíamos dizer que a história trazida/construída traduz a sociodinâmica em dois planos: o do contexto grupal e o do contexto social.
Na terapia bi-pessoal, o contexto grupal é constituído pela díade terapeuta-paciente (ou diretor-protagonista, para utilizar a terminologia do teatro espontâneo). O contexto social refere-se, num sentido mais estrito, do ponto de vista do protagonista, aos espaços que lhe são próprios e que ele não compartilha com o diretor; do ponto de vista da díade, o contexto social refere-se a espaços eventualmente comuns e, principalmente, à comunidade e à sociedade em aspectos pontuais como também no sentido mais amplo possível.
IV. O tamanho do grupo
Os fenômenos grupais tendem a ser diferentes de acordo com a composição numérica dos grupos. Por exemplo: triangulação e o terceiro excluído, incidentes típicos dos grupos de três, não têm lugar nos grupos de dois e relativamente pouco nos de quatro. As alianças que passam a ser possíveis em grupos a partir de quatro integrantes inexistem nos grupos menores.
O acompanhamento e controle de comportamentos individuais só se torna possível em grupos com um número adequado de participantes, enquanto que comportamentos de massa só podem ocorrer em grupos suficientemente grandes para garantir um certo anonimato. Em contrapartida, é muito mais fácil identificar movimentos coletivos em grupos maiores - onde o grupal se impõe mais claramente frente ao individual - do que em grupos menores. A caixa de ressonância afetiva dos grandes grupos é mais potente que a dos pequenos.
Por tudo isso, as estratégias de trabalho desenvolvidas para grandes contingentes nem sempre se aplicam aos grupos reduzidos e vice-versa.
No caso específico do teatro espontâneo – e conseqüentemente do psicodrama – essa diferença é relevante. Não apenas em termos técnicos, cujos desafios podem ser facilmente solucionados, se se conta com a criatividade do diretor e de sua equipe. Os maiores desafios são de natureza teórica, enquanto compreensão dos fenômenos e instrumentação conceitual.
No caso do psicodrama à deux, a perspectiva sociométrica nos permite ir além da leitura tradicional dos fenômenos de transferência e contra-transferência, enquanto ocorrências no plano do psiquismo de cada um dos participantes do vínculo. É possível, por exemplo, verificar os movimentos relacionais sob vários ângulos, tais como os papéis em jogo; as maneiras como são efetivamente construídas, desconstruídas e reconstruídas as expectativas mútuas e as complementaridades; fenômenos próprios da relação dual não atribuíveis exclusivamente à arbitrariedade das fantasias dos indivíduos envolvidos; a complementaridade criativa (tele). Particularmente significativa é a possibilidade de identificar e explorar o átomo social ampliado, que inclui vínculos que participam significativamente da experiência comum, conquanto não de corpo presente, sejam esses vínculos de natureza atual (actual), residual ou virtual. E assim por diante.
Nos grupos maiores, a tarefa de construção coletiva permite ao diretor ocupar-se das funções técnicas e de coordenação, praticamente sem precisar comprometer-se operacionalmente com outras tarefas, tais como os exercícios de aquecimento propostos, os depoimentos pessoais, os relatos de histórias, as sugestões a respeito da narrativa que está sendo construída, o desempenho de papéis no contexto dramático etc.. Com isso, o diretor acaba podendo expor-se menos, enquanto pessoa, restringindo-se ao que naturalmente se demonstra através dos atos típicos e exclusivos de seu papel ou ao que voluntariamente se dispõe a oferecer ao grupo, como um algo mais (compartilhamentos (sharing), por exemplo).
No trabalho bi-pessoal esse distanciamento não é possível da mesma forma e a tarefa de co-criação exige que seus subsídios extrapolem as intervenções de natureza técnica, exigindo dele que ofereça insumos de sua experiência pessoal (histórias, sentimentos, fantasias etc.). Essa oferta pode ocorrer de várias maneiras: disfarçada para si mesmo, disfarçada para o cliente, por vontade própria ou constrangidamente, com maior ou menor sutileza, de maneira franca e aberta ou tímida e dissimulada. Utilizando uma expressão conceitualmente menos rigorosa, poderíamos falar de uma quase co-protagonização, tal o comprometimento que nesse caso se verifica. A proteção da privacidade do terapeuta, variável de profissional para profissional, tem a ver com seus limites pessoais e a sensibilidade para identificar o que é mais ou menos favorável ao processo, a juízo de cada um.
IV. Do grupal ao bipessoal, na prática
Como se daria a transposição das práticas grupais para o setting do psicodrama à deux?
Tomemos, para uma primeira aproximação, os cinco instrumentos clássicos do psicodrama - o diretor, os auxiliares, o protagonista, o palco e a platéia - e vejamos como eles são utilizados.
IV.1 - O diretor
Embora uma das mais revolucionárias propostas do psicodrama tenha sido a atribuição do papel de terapeuta a todos os integrantes do grupo, na prática estabeleceu-se uma hierarquia, sendo que o diretor é o que ocupa o posto mais alto, seguido pelo(s) auxiliar(es) da equipe e, por último, pelos pacientes. Esse fenômeno mereceria uma discussão específica, se quiséssemos aprofundar-nos em seu significado. Registrá-lo, aqui, se faz relevante porque, no psicodrama bi-pessoal, muito mais claramente se atribui ao diretor o papel de terapeuta, subtraindo ao cliente participação e responsabilidades que lhe seriam reconhecidas caso o papel terapêutico se diluísse, verdadeiramente, entre os dois membros da díade.
Como diretor de teatro espontâneo, no sentido de coordenador do processo de produção cênica, alguns desafios específicos lhe são colocados.
1) Há que esclarecer ao paciente que a terapia tem como referência estratégica o teatro espontâneo grupal, clarificando com ele todas as adaptações que forem sendo propostas, de modo a obter não sua concordância e submissão, mas sua co-participação nesse processo criativo. Quanto mais claro o porque de cada instrução tanto melhor.
2) Não se pode descuidar do aquecimento, como etapa preparatória para o ato espontâneo. Todos os aspectos normalmente desejáveis em termos de preparação devem ser contemplados também no trabalho a dois: a disponibilização corporal, o grounding, o compromisso de equipe, a preparação para ator e para autor. Sem esse cuidado, o paciente se sente desajeitado e, freqüentemente, ridículo. Mesmo que essa fase leve algum tempo, sabe-se que ela é, em si, uma experiência válida.
3) O respeito aos elementos do cenário; a utilização de adereços como facilitadores da identificação com o personagem; o recurso a elementos auxiliares tais como iluminação, som, objetos especiais. O que é preciso, neste caso, é cuidar também para que o exagero ou a inoportunidade não se afigurem como artificialismo, o que poderia provocar efeitos contrários aos desejados.
4) Como se alterna nas funções de diretor, ator e espectador, é preciso que utilize algum tipo de código para comunicar ao paciente cada mudança de papel.
5) É indispensável que esteja muito atento a eventuais confusões de papel por parte do paciente. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito ao contato corporal que se exige na atuação cênica. A “mãe” que dá colo para a “filha” e faz cafuné nos seus cabelos, na história dramatizada, não é a pessoa do terapeuta colocando no colo e acariciando a pessoa da paciente, qualquer que seja a ilação que se possa fazer de uma cena como essa. A inversão de papéis é um recurso psicodramático altamente indicado nessas situações.
IV.2 O auxiliar
Como não existe auxiliar, no psicodrama bi-pessoal, uma das seguintes alternativas deve ser considerada:
(a) o próprio protagonista faz todos os papéis; ou
(b) o diretor faz as vezes também de ator.
Em ambos os casos, utilizam-se objetos (o mais comum é o uso de almofadas) para assinalar a presença de personagens para os quais não existem atores disponíveis.
É preciso estar consciente do risco de que a encenação se empobreça pela falta de atores para desempenharem os papéis requeridos pelo protagonista. No entanto, a experiência demonstra, através de depoimentos espontâneos dos pacientes, que mesmo com essas limitações a dramatização é um recurso poderoso para a psicoterapia.
Quando o próprio paciente faz todos os papéis requeridos pela cena, ele vai assumindo alternativamente os vários caracteres, de acordo com a evolução da própria cena. A grande limitação desse recurso é que é muito mais difícil conseguir, dessa forma, o clima emocional indispensável para uma boa improvisação.
Quando o diretor opta por acumular as funções que lhe são próprias com as do auxiliar, a cena se desenrola com dois atores, cabendo sempre ao paciente o papel protagônico (exceto nos momentos de inversão de papéis), dividindo-se os demais papéis entre o próprio paciente e o terapeuta. O diretor também pode fazer, de fora, apenas a voz dos personagens complementares, enquanto estimula a imaginação do único ator no sentido de visualizá-los.
Com o diretor atuando, as cenas que envolvem apenas dois personagens podem ser vigorosas e alcançar um alto nível de desempenho dramático. O risco que ronda essa estratégia é de que a fala do terapeuta-ator possa ser caracterizada como “discurso competente”, ou seja, que o cliente-protagonista a tome como conselho, insinuação, sedução, avaliação ou interpretação, dificultando a inter-relação entre os personagens. Por outro lado, o risco oposto é de que o próprio terapeuta seja tentado a utilizar o personagem que está desempenhando para, através dele, mandar algum recado para o cliente. Essa é, aliás, uma prática até prescrita em alguns círculos psicodramáticos, que atribuem ao auxiliar a função de fazer interpretações em cena, a partir dos papéis que desempenha. Quando essa alternativa é adotada, introduz-se um viés no processo de co-criação, virtualmente comprometendo a proposta construtivista embutida no teatro espontâneo.
IV.3 O protagonista
Como vimos, dentro de uma terminologia técnica mais cuidadosa, o protagonista só existe quando se dramatiza, correspondendo ele ao personagem central da trama que se explicita no palco. É, pois, um elemento do contexto dramático. No contexto grupal, a pessoa que se destaca e que polariza as emoções coletivas seria mais propriamente referida como emergente grupal.
No entanto, a extrapolação do conceito de protagonista para outros contextos carrega com ele a idéia de centralidade cênica e sociodinâmica, ou seja, o protagonista é aquela pessoa que (como na dramatização) centraliza os acontecimentos e se constitui, por isso mesmo, numa referência para a definição do átomo social e suas vertentes relacionais.
O protagonista psicodramático é o emergente grupal levado ao palco e transformado em eixo dramatúrgico e referencial para a compreensão dos processos grupais em curso.
Na versão clássica do psicodrama, a história que se representa no palco é a história do emergente grupal, transformado em ator principal e conseqüentemente o personagem central da história encenada.
A perspectiva do teatro espontâneo abre novas possibilidades, na medida em que se admite que a história que está em cena possa ser pura ficção: ficção que mascara e ao mesmo tempo revela aspectos menos evidentes da vida do ator protagônico e de sua inserção no coletivo que o constitui e o perpassa.
No psicodrama individual, não existe o emergente grupal que se faz protagonista, porque já se tem uma definição prévia: ao paciente está destinado, por contrato, o papel protagônico, da mesma forma que ao terapeuta cabe dirigir. No entanto, o olhar não precisa voltar-se, obrigatoriamente, para os processos adaptativos que ocorrem no interior do paciente, revelados pelo inter-jogo de suas fantasias, emoções, pensamentos, desejos, defesas, ataques etc.
A história que se dramatiza transporta para o lugar terapêutico ao mesmo tempo um fragmento da rede social (tal como o paciente vê), com uma determinada configuração sociométrica, e a sociodinâmica da díade que ali se encontra.
É nessa trama que se evidencia um conflito (não é universal a idéia de que esse conflito é, por definição, psicológico) e que se experimentam as tentativas de superá-lo e de abrir novas possibilidades além daquelas já conhecidas e instauradas.
IV.4 O palco
A questão do palco, como um dos instrumentos do psicodrama, se insere dentro de uma outra mais ampla, que é a semiótica do setting terapêutico, tanto na mensagem que ele veicula quanto nas possibilidades que oferece.
Sem dúvida, se a proposta de trabalho, ao invés de circunscrever-se ao âmbito da palavra, inclui movimentação corporal, evidentemente que se exige um espaço mais amplo, ocupado de forma a favorecer tanto os movimentos discretos e cautelosos quanto aqueles mais exuberantes e menos controlados. Em outras palavras, o espaço físico da terapia psicodramática tem algumas características próprias, não apenas quando se trabalha com grupos, mas também para o trabalho individual.
Na tradição psicodramática, há várias posições a respeito do palco como instrumento de trabalho, desde Moreno, que com ele se preocupou, sugerindo diferentes designs ao longo de sua carreira. A delimitação física do espaço cênico tem algumas vantagens evidentes:
(a) simboliza a diferenciação entre o fazer teatral e o fazer não-teatral;
(b) tem valor de linguagem, em si;
(c) possibilita construções estéticas;
(d) acrescenta recursos ao processo criativo;
(e) ao delimitar os contextos, ajuda a evitar que sejam invadidos ou confundidos.
No entanto, essa delimitação pode estar definida previamente, com um palco em nível diferenciado (ou níveis, com balcão ou seu equivalente patamar dos deuses e heróis), como parte da arquitetura do ambiente, ou pode ser feita pelo próprio grupo, de acordo com as necessidades e conveniências do momento. Os contornos podem, neste último caso, ser apenas objeto de acordo verbal ou então assinalados fisicamente, como, por exemplo, com uma fita adesiva colocada no solo.
Pode-se também trabalhar sem essa delimitação, ocupando-se em tese todos os espaços possíveis dentro da sala (ou mesmo fora dela). A perda das vantagens da arquitetura em níveis e dos limites precisos se compensa com a ampliação da margem de criatividade.
A boa utilização dos elementos espaciais depende, entretanto, de uma boa preparação dos participantes, que devem explorá-lo em todas as suas potencialidades, experimentar a relação corpo-meio, enfim, familiarizar-se com o ambiente físico em que vão trabalhar. Essas recomendações são válidas tanto nos trabalhos grupais como na psicoterapia individual. E esses cuidados talvez não sejam tão importantes se a opção terapêutica se circunscreve ao uso da palavra.
IV.5 A platéia
Na tradição ocidental dos últimos séculos, um evento teatral constitui-se, por definição, de duas categorias de participantes: os atores e os espectadores, ou seja, não existe teatro sem uma estrutura relacional mínima que coloque como parceiros o palco e a platéia.
No tablado se comunica cenicamente uma história para um interlocutor que dela deve tomar conhecimento. Mesmo nas modalidades mais rudimentares de teatro, inclusive aquelas que se baseiam nas tradições de celebração coletiva, os atores utilizam-se de recursos comunicacionais cujo objetivo é levar os espectadores a ver e sentir os fatos relatados.
O jeito de narrar pode variar, desde as manifestações pré-ilusionistas e pré-realistas, passando pelo faz-de-conta, até o perfeito domínio da linguagem cênica - que inclui, além dos atores, todos os recursos coreográficos, sonoros, visuais, luminosos, arquitetônicos – através da qual se procura “convencer” o espectador de que os fatos estão acontecendo ali, na sua frente, naquele momento.
Também o “lugar de onde se vê” está sujeito a variações. A relação palco-platéia pode ser estruturada das mais diferentes formas, admitindo-se em tese todas as infinitas possibilidades que a criatividade for capaz de sugerir. Só para mencionar algumas delas, temos os clássicos modelos arquitetônicos com a cortina simbolizando a quarta parede, o teatro de arena, as montagens peripatéticas, a infiltração dos atores na platéia, a não-delimitação física do espaço cênico, e assim por diante. No entanto, é fundamental, nessa perspectiva, que os dois pólos estejam presentes, sob pena de se descaracterizar o evento como sendo teatral.
No teatro espontâneo, essa estrutura se mantém, embora os atores possam tanto fazer parte da equipe profissional como ser recrutados entre os membros da platéia.
No psicodrama à deux, em que o grupo se reduz a um diretor e um ator, não há excedentes para compor uma platéia mínima. Assim, a rigor, esse instrumento psicodramático, a platéia, deixaria de existir.
No teatro-espetáculo, isso representaria sua própria destruição, pelo desaparecimento de um dos pólos do seu eixo constitutivo (a relação palco-platéia). Se considerarmos, todavia, que o teatro-espetáculo é apenas uma versão contemporânea do teatro-encontro que existiu antes das transformações sofridas na Idade Média, por conta das necessidades catequéticas da igreja católica ocidental, não se configura como um desastre, pelo menos em tese, essa ausência de platéia. O teatro é uma experiência comunitária, não importando se a comunidade é bastante ou pouco.
Do ponto de vista prático, essa questão pode ser considerada pouco relevante, até porque a criatividade existe para isso mesmo, para superar impasses, e através dela sempre se encontra alguma saída, uma forma operacional minimamente satisfatória.
Apenas para ilustrar: pode-se compor o átomo social do teatro espontâneo imaginando-se a existência de uma platéia e estabelecendo-se com ela um vínculo virtual (2). Ou então, como vimos, o próprio terapeuta, que pode alternar-se nas posições de diretor e ator-antagonista, pode também suprir a falta da platéia incluindo nessa alternância o papel de espectador.
Aliás, uma das queixas mais comuns nas tentativas de levar a efeito dramatizações no atendimento bi-pessoal é o constrangimento manifestado pelo cliente, quando solicitado a se fazer ator num teatro tão estranho, despindo-se diante de um único espectador, que ao mesmo tempo o dirige e o desafia, numa situação que pode resvalar no ridículo. Ainda neste caso se poderia dizer que um bom aquecimento pode dar conta do problema, cabendo ao diretor/terapeuta identificar e criar as estratégias para atingir esse objetivo.
São inúmeros os recursos já conhecidos, dos quais se pode lançar mão, e que acabam viabilizando as encenações. Até mesmo as técnicas de ação, embora a rigor não constituam necessariamente o psicodrama (15) e muito menos uma sessão de teatro, adquirem aqui o seu habitat privilegiado, sendo que muitas delas são especialmente adequadas para o trabalho individual. Essa questão será objeto de novas considerações, mais adiante.
Não havendo platéia atuante, bem definida e caracterizada, não se cria a continência afetiva que um grupo pode oferecer, cabendo ao diretor suprir essa falta. Alguns pacientes até preferem assim, uma vez que se sentem mais seguros, mormente quanto à aceitação por parte do diretor, enquanto que no grupo, por mais que sejam positivas as escolhas sociométricas virtuais, há sempre o risco de rejeição e de censura.
Por outro lado, a inexistência de um grupo mais amplo limita as possibilidades de co-criação (ela acontecerá dentro da díade terapeuta-paciente), que no teatro espontâneo constitui tarefa tanto dos membros do grupo que sobem ao cenário quanto dos que permanecem como espectadores. Dessa forma, ficam restritas as possibilidades de viver a experiência singular de tele-relação propiciada pelo setting grupal e pela tarefa a múltiplas mãos.
A despeito de todas essas dificuldades, ainda assim é possível tomar o modelo do psicodrama grupal como base para o trabalho individual. Há uma constelação de fatores que autorizam a conclusão de que vale a pena utilizar esse recurso: os depoimentos de pacientes, em geral bastante favorável às dramatizações; a mobilização afetiva que se pode observar; e os resultados positivos em termos de transformações na vida dos clientes; e outros mais.
V. O texto
As técnicas clássicas do psicodrama têm uma função dramatúrgica, ou seja, servem à elaboração do texto teatral. Num certo sentido, o texto poderia ser considerado como um sexto instrumento, não fosse o fato de que os outros cinco poderiam estar, em tese, ao serviço de sua produção. É bom lembrar que, no teatro espontâneo, o texto possui algumas características próprias, entre elas a catarse do autor-ator concomitante à da platéia.
A matéria prima para a produção do texto pode variar, assim como varia o próprio estilo dramatúrgico, de acordo com critérios oferecidos pela direção. Para uma primeira abordagem do tema, podemos identificar pelo menos quatro modalidades de textos: jornalísticos, retrospectivos, prospectivos, e ficcionais.
Os textos jornalísticos são aqueles que procuram, através da ação cênica, investigar e relatar fatos. O diretor se esforça para que os acontecimentos no palco reproduzam o mais fielmente possível algo que aconteceu ou está acontecendo no contexto social. O objetivo dessa busca é evidenciar aspectos eventualmente obscuros de uma dada experiência ou área vital. Não importa muito se os acontecimentos em pauta são costumeiramente classificados como “externos” , “objetivos”, ou “internos” , “subjetivos”. A rigor, essa dicotomia tem sido descartada em favor de uma abordagem do fenômeno em sua globalidade, evitando dessa forma o desperdício de esforços na tentativa de estabelecer delimitações e de sustentar todas as suas conseqüências, sem nenhum ganho efetivo na compreensão do sujeito nem na ajuda que se pretende oferecer-lhe. Procura-se o mais completo esclarecimento da situação escolhida; completada sua caracterização, a pesquisa se encerra.
No trabalho com grupos mais numerosos, se o fato que está sendo coberto (obs. para o tradutor: no sentido de cobertura jornalística) contou ou conta com a participação de mais de um dos seus membros, é solicitada inclusive a contribuição de todos para que se chegue a uma descrição de boa qualidade.
Já os textos retrospectivos (cenas regressivas ou retrogressivas, como também são chamadas) estimulam a criação de um enredo que, de alguma maneira, reproduza algum acontecimento do passado, de caráter conflitivo e traumático, que faça parte da história do protagonista. A reprodução é feita, em geral, de modo a permitir que se reproduzam as emoções do evento original. A partir disso se tenta “reorientar os fatos”, buscando um desfecho mais favorável, se possível reparatório.
Uma variante importante dessas técnicas retrospectivas consiste em promover um encadeamento de quadros retrogressivos, buscando-se alcançar uma experiência primitiva, de caráter nodal, cuja reprodução seria objeto de uma recriação, de modo a proporcionar ao protagonista a reconstrução dos fundamentos de sua vida afetiva.
Já as técnicas prospectivas propõem o caminho inverso, ou seja, partir de uma situação crítica atual e pesquisar as fantasias a respeito de seus desdobramentos, encenando o futuro imaginado. Seriam uma espécie de versão atualizada dos rituais primitivos de caça: os perigos são antecipados e vividos intensamente no presente, o que permite não apenas vislumbrá-los e dimensioná-los, como também expurgar temores infundados, buscando as energias positivas capazes de mobilizar todos os recursos para um bem sucedido enfrentamento das situações de risco que se avizinham.
Constituem, assim, mais do que um mero ensaio - embora se possa reduzir suas pretensões, tomando-as como uma espécie de treinamento operacional, como o fêz o próprio Moreno em suas primeiras experiências. Seu alcance vai até um verdadeiro aquecimento para a espontaneidade.
A rigor, todas essas técnicas - jornalísticas, retrospectivas e prospectivas - são ficcionais, na medida em que as cenas que se representam no palco são fruto do improviso momentâneo, de uma co-criação que envolve o protagonista e o diretor (nas situações de grupos não muito reduzidos, também os demais atores e o público). Sua pretensão de reproduzir a realidade é sabidamente uma mera força de expressão, porque até mesmo a chamada “realidade interna” do protagonista sofre modificações em função de outras “realidades internas” que, num dado momento, se entrecruzam.
As técnicas ficcionais propriamente ditas partem do princípio de que toda encenação é metafórica e, por isso mesmo, tanto faz construir uma cena que “imite a vida real”, tal como descrita por uma determinada pessoa, como imaginar uma situação assumidamente fictícia. O disparador imediato da criação até pode ser o relato de uma experiência ou de uma fantasia, mas a tarefa proposta é de se produzir uma cena “totalmente” imaginária. Como num holograma, a estrutura das relações entre os personagens fictícios tende a reproduzir a estrutura das relações do grupo (diádico, no caso do psicodrama bi-pessoal) envolvido em sua produção, da mesma forma que a estrutura das relações do protagonista em sua história pessoal ilumina não apenas o que acontece no grupo enquanto unidade fenomenológica como também o que acontece na sociedade dentro da qual grupo e protagonista se inserem.
Por outro lado, as emoções vividas durante a produção cênica têm a ver com os processos vitais em curso.
Todas essas opções dramatúrgicas estão a serviço de pressupostos teóricos abraçados pelo profissional que as utiliza, o que determina uma nova vertente de variações, que vão desde o ingênuo role-playing das primeiras experiências de Moreno, até a interrupção da cena no momento em que se manifesta o inconsciente, na versão lacaniana, passando pelas intervenções estratégicas dos psicodramistas sistêmicos e pela multiplicação dramática da escola argentina.
VI. Do teatral ao verbal: uma estranha trajetória
Para o cotejo entre o trabalho grupal o trabalho individual temos um outro caminho interessante, que seria tentar mapear o campo do psicodrama utilizando como estratégia uma linha que vai do psicodrama mais radicalmente teatral até o outro extremo, que seria uma espécie de psicodrama paradoxalmente denominado psicodrama verbal ou psicodrama sem corpo.
Entre esses dois pontos, situam-se uma infinidade de práticas que podem ser dispostas como um gradiente, segundo incorporem recursos mais próximos de um ou de outro desses pontos.
Para facilitar nossa trajetória, vamos trabalhar com a idéia de que as práticas psicodramáticas podem ser agrupadas em três grandes classes: as técnicas teatrais, as técnicas de ação e as técnicas verbais.
VI.1 Técnicas teatrais
Incluem todos os procedimentos que têm os teatros como referência. A forma plural é aqui utilizada propositadamente, porque no campo das artes cênicas ocorre também ocorre o air de famille, fenômeno ao qual me referi anteriormente, ou seja, a multiplicação de modalidades que se abrigam sob o mesmo teto torna-as tão diferentes entre si que muitas vezes é como se nada tivessem em comum.
Ao nos referirmos a eles, os teatros, entretanto, temos como assentado que algumas de suas características, vistas por quem não se detém nas minúcias, podem ser tomadas como referência para o trabalho que se desenvolve no campo das artes cênicas espontâneas.
Um desses aspectos é a preocupação estética. Como qualquer modalidade artística, o teatro busca o belo. No teatro-espetáculo, as cenas têm que ser não apenas compreensíveis e convincentes, devem, mais do que isso, ser eficientes no atingir o espectador de forma a mobilizar nele também algum tipo de emoção estética.
Não se dramatiza pelo mero dramatizar. A encenação é uma linguagem através da qual se procura transmitir ao interlocutor um conteúdo específico, uma dada percepção do mundo e da vida, com o desejo implícito de que ele também possa captar o mesmo sentido e viver a mesma experiência. Representar é comunicar.
Mas a semiótica do teatro espontâneo amplia essa referência e considera que um teatro para ser visto é um teatro para ser vivido, materializando-se na experiência singular da criação coletiva. Nesse caso, o teatro espontâneo enquanto espetáculo suscita uma gama de questionamentos que se vão além e ocupam espaços diferentes daqueles que normalmente freqüentam as reflexões dos teatrólogos convencionais. Como a produção é improvisada e conta com a participação de muito mais gente, estabelece-se uma nova área de interação, crucial para a realização estética: o subgrupo dos “técnicos” com o subgrupo dos “leigos”.
A complexidade do processo teatral possibilita compreendê-lo como algo que não se reduz ao espetáculo, embora a idéia dominante seja de que este é o seu ponto culminante e que tudo o que o cerca e o antecede existe em função dele. Essa é a expectativa tanto das pessoas que se dedicam ao teatro quanto do público.
Assim, é possível escolher uma de suas áreas/fases e transformá-la num laboratório quase autônomo em que se experimenta e se produz a interação criativa entre as pessoas nele envolvidas. A escolha pode recair tanto sobre uma fase anterior do teatro-espetáculo quanto sobre uma fase posterior. A fase anterior pode ser tanto o momento dramatúrgico – o momento do autor - quanto o momento da preparação – o momento do ator.
Mas o teatro-encontro, que envolve toda a comunidade como numa grande festa, que é ao mesmo tempo espetáculo e celebração, acaba oferecendo um outro modelo de trabalho, em que os autores-atores se entregam ao processo criativo, transportando os virtuais espectadores para um horizonte tão distante que a experiência teatral se torna entrópica. Ou para tão perto que o interlocutor é o outro aqui do lado, parceiro das mesmas aventuras e desventuras. Como um banquete familiar, pleno para os membros presentes, porém sem convidados para admirarem a beleza do visual e do sabor nem para partilhar das emoções ali vividas.
No coração das técnicas teatrais impera, onipresente, a exploração criatúrgica das situações conflitivas. Ou seja, toma-se um conflito existencial e se cria algo em torno dele, uma história que o representa e que traz à tona os múltiplos esforços no sentido de superá-lo, apontando contradições, paradoxos, impotências, feridas narcísicas, complementaridades questionáveis, e todo um elenco de humanidades que se fazem presentes nas situações de crise. Do caos, o novo: é a esperança que inspira o processo criativo.
VI.2 Técnicas de ação
A diferença fundamental entre as técnicas de ação e as técnicas teatrais é que nas técnicas de ação não se estrutura a polaridade palco-platéia, de vez que a tarefa grupal não se caracteriza pelo sentido comunicacional intrínseco às representações teatrais. Em tese, todos os membros do grupo podem estar envolvidos numa mesma atividade; mesmo quando uma parte fica de fora da ação, num dado momento, o subgrupo que está atuando não o faz para ser visto pelos demais (o que é essencial na estrutura do teatro-espetáculo).
Por outro lado, quando se utilizam técnicas de ação não é obrigatório que se tenha um protagonista, no sentido de personagem-eixo de uma trama, que é outro elemento chave para a produção cênica teatral.
Se, ao se utilizarem técnicas de ação, a tarefa grupal se concentra em torno de um de seus membros, o sentido analogicamente protagônico dessa pessoa adquire características diferentes: ele pode ser simplesmente o paciente da vez, ou seja, aquele que está tendo a oportunidade de trabalhar e de ver seu problema trabalhado.
As técnicas de ação mais próximas das técnicas teatrais são os jogos dramáticos. Estes se caracterizam pelo fato de que a ação proposta se dá através de personagens, cuja interação pode até chegar à construção de uma história, ou pelo menos de fragmentos cênicos.
Assim como nas técnicas teatrais propriamente ditas, joga-se com o elemento ficcional, ainda que os personagens possam representar figuras correspondentes do contexto social, da “vida real”.
Quando se trabalha com técnicas teatrais, existem alguns elementos que se tornam de importância fundamental: o volume da voz (suficientemente alto para poder ser ouvido), a localização dos atores no espaço cênico (que deve favorecer a visibilidade e explorar o potencial estético), a “limpeza” da cena (evitando-se cenas paralelas, atores no palco sem ação relevante, elementos que dispersem a atenção do espectador). Esses cuidados são até certo ponto dispensáveis nos jogos dramáticos.
A rigor, os jogos dramáticos se destinariam ao treinamento de atores, propondo exercícios de construção de personagens, de improvisação individual e coletiva, de simulação, de interação entre personagens, de pesquisa e desenvolvimento da relação ator-personagem. No entanto, como nas propostas mais recentes de Grotowski, esses exercícios representam um potencial inesgotável de desenvolvimento da própria pessoa do ator, pois mobilizam aspectos importantes de sua vida e dos seus processos adaptativos, possibilitando-lhe o contato com áreas normalmente adormecidas e com recursos não suficientemente explorados. Essa pesquisa favorece não apenas o exercício das funções próprias do ator teatral, como principalmente transformações vitais de grande alcance.
Daí que, no psicodrama, se tenha encontrado um espaço privilegiado para os jogos dramáticos, em alguns casos superando até mesmo a importância das técnicas cênicas, ou seja, do teatro propriamente dito. Alguns jogos dramáticos chegaram a se tornar clássicos: a cadeira vazia (empty chair), a loja mágica (magic shop), os náufragos numa ilha deserta, e muitos outros.
Afastando-nos um pouco mais dos procedimentos propriamente teatrais, vamos encontrar os jogos pré-cênicos, que não envolvem nenhum tipo de dramaturgia, explorando apenas o potencial de comunicação corporal que normalmente está embutido nas encenações. Esses jogos consistem em substituir ou pelo menos agregar recursos de concretitude à comunicação verbal, o que possibilita um duplo efeito: a simplificação e o enriquecimento da mensagem. No primeiro caso, quando a verbalização é estruturalmente pobre ou prolixa, a necessidade de concretizar fisicamente as idéias (espaço, corpo e objetos) estimula sua ordenação e planificação (no sentido de estabelecimento de distintos âmbitos), eliminando confusões, misturas de planos, focalizações aparentemente desintegradas etc.. Por outro lado, ao buscar uma forma de expressão diferente dos motes já cristalizados, novos aspectos podem ser postos em evidência, ampliando dessa forma a compreensão da situação que está sendo descrita.
O principal jogo pré-cênico é a construção de imagens corporais ou esculturas que expressem um dado sentimento ou uma dada relação. Essas imagens podem ser estáticas ou fluidas, segundo se privilegie a estrutura ou o movimento. Na situação de grupo, a colaboração de várias pessoas permite que as instalações sejam bastante ricas e complexas; o mesmo acontece quando se acrescenta a possibilidade de utilização de recursos materiais tais como móveis, objetos, adereços etc..
Das mais conhecidas formas de jogo pré-cênico são o retrato de família e a imagem do átomo social. Permitem a investigação das relações intra-grupais (do grupo de referência do “protagonista”), principalmente quando se complementam com o recurso às técnicas psicodramáticas clássicas (solilóquio, dublê (double), espelho, inversão de papel), de diálogos localizados entre “personagens” e da entrevista do diretor com esses mesmos “personagens”.
Outra modalidade interessante é a autobiografia, em que as diferentes fases da vida são assinaladas com objetos e ou pessoas, estabelecendo-se dessa maneira a trajetória, que pode ser investigada da mesma forma como se trabalham as imagens.
Muitos psicodramistas privilegiam o processo de montagem da cena - tal como ocorre na fase do aquecimento (warming up) específico - considerando-a suficiente para a investigação e as descobertas desejadas, mormente se nessa fase se consegue um grau relevante de envolvimento emocional. Consideramos essa abordagem mais um caso de jogo pré-cênico, uma vez que a cena propriamente dita não se desenrola e não se caracteriza o contexto teatral.
Ainda dentro do repertório das técnicas de ação contamos com os jogos teatrais. Trata-se de um conjunto de exercícios que são normalmente utilizados na preparação de atores, mas que têm um largo alcance até mesmo para as pessoas comuns, porque ampliam suas possibilidades perceptivas, expressivas e de relacionamento inter-pessoal. Atuam principalmente sobre os aspectos de sensibilização e de consciência corporal, ou seja, a autoconsciência a respeito de sensações, sentimentos, emoções, pulsões (drives), tensões, conflitos, posturas, atitudes, movimentos, reações, além de outros aspectos considerados “mentais” mas igualmente importantes, tais como fantasias, associações, reminiscências, ressonâncias, desejos, e assim por diante. Pode-se trabalhar também a capacidade perceptiva, no sentido de observar as expressões de outrem e tratar de identificar o sentido psíquico nelas envolvido, podendo por conseguinte “levar o outro em conta” ou “colocar-se no lugar do outro”.
Completa-se o quadro com o desenvolvimento do potencial expressivo, de modo a permitir a comunicação não apenas verbal de todo esse mundo em processo de descoberta. Trabalha-se no sentido de que a comunicação corresponda às intensidades e que seja sob todos os aspectos inequívoca.
O enfoque entretanto não é necessariamente solipsista, ou seja não precisa limitar-se ao indivíduo. É possível que se trabalhe simultaneamente suas relações tanto com o espaço físico como com outros companheiros, entendendo-se por relação, aqui, não as repercussões ou representações “internas” da presença de um outro, seja este material, animal ou humano, mas sim o conjunto de duas vias, que se caracteriza como um fenômeno em si. Nos jogos envolvendo a complementaridade da comunicação não existe, pois, um protagonista, no sentido estrito ou mesmo analógico do termo, uma vez que o objeto do trabalho não é nem um nem outro dos parceiros, exclusivamente, mas todos eles mais o que acontece entre eles.
Finalmente, temos uma última modalidade de técnicas de ação, que denominamos jogos gerais. Incluem-se aqui todas as atividades lúdicas, individuais ou grupais, não relacionadas diretamente à ação dramática. Seu objetivo aparente é, em geral, promover a integração grupal ou induzir algum estado físico, emocional ou mental específico.
No capítulo da integração grupal, encontramos desde exercícios destinados a promover o conhecimento de uns pelos outros, em vários níveis, que vão desde trocas sensoriais à distância, passando pelo contato físico superficial até a troca de informações biográficas e confidências. A aproximação sócio-afetiva está intimamente relacionada com as tarefas propostas aos grupos, sendo importante tanto operacionalmente quanto em termos de co-criação, quando esta é um dos objetivos estabelecidos.
Nos grupos já constituídos e que enfrentam algum tipo de tensão disfuncional, os jogos podem constituir-se em estratégia para superar conflitos mal resolvidos (ex.: confrontos, “guerras” entre sub-grupos, jogos de competição com utilização de recursos verbais ou físicos).
Poderíamos acrescentar os jogos de integração temporo-espacial, cujo objetivo é explorar o ritmo, o domínio do espaço, a relação espaço-movimento. E mais os jogos de comunicação, em que se procura desenvolver as habilidades de expressão, percepção e complementaridade. E ainda os corporais, em que o que se objetiva é o conhecimento do corpo, a exploração de todas as suas possibilidades, o que inclui relaxamento, desinibição, alongamento, integração, consciência e assim por diante. E a lista pode ser interminável, na medida em que as pesquisas e a criatividade vão estar sempre funcionando no sentido de ampliar incessantemente as possibilidades de desenvolvimento do ser humano, abrindo o leque de alternativas e ampliando seu repertório, com reflexos diretos e significativos sobre sua espontaneidade.
Mais uma vez, estratégias desenvolvidas para o trabalho com grupos podem ser revertidas para as situações de atendimento individual, com as indispensáveis adaptações, além da inspiração que podem oferecer para a criação de estratégias específicas para essa nova situação.
VI.3 Técnicas verbais
As técnicas verbais são aquelas que se concentram no processo de produção de textos, sem envolver necessariamente o corpo. Para obter uma visão global de suas potencialidades, podemos distinguir vários conjuntos que guardam entre si alguns pontos de semelhança.
O primeiro deles poderia ser designado como técnicas verbais psicodramáticas, porque de certa forma reproduzem, a nível verbal, o que poderia acontecer dramaticamente. O chamado psicodrama interno é o carro-chefe dessas técnicas. À semelhança das estratégias do sonho dirigido, propõe-se ao protagonista que se coloque em decúbito dorsal, cerre os olhos e entregue-se à imaginação. A encenação imaginada vai sendo relatada verbalmente, na medida em que se vai produzindo. O diretor utiliza-se dos recursos tradicionais da dramatização do teatro espontâneo e vai intervindo, quando necessário, propondo rumos e participando, dessa forma, da criação que vai sendo empreendida. Na situação de grupo-maior-que-dois, os demais participantes apenas observam.
O mesmo processo pode ser realizado com os membros do grupo sentados em roda, frente-a-frente, de olhos abertos. Sem envolvimento do corpo, o protagonista vai explicitando a evolução das cenas, os membros do grupo assumem os vários personagens vão pronunciando suas respectivas falas, o diretor vai dando suas instruções, recorrendo quando necessário às técnicas psicodramáticas de pesquisa de sub-texto. Quem não é personagem apenas acompanha, como ouvinte, salvo quando autorizado ou solicitado a oferecer sua contribuição, como no teatro da platéia. A criação é coletiva, como na história levada ao palco, sem que entretanto ocorra a encenação. Essa estratégia corresponderia, no teatro convencional, à leitura dramática de uma peça, em que os atores apenas lêem/pronunciam as falas dos personagens, tratando porém de emprestar vida ao texto.
A criação da história pode, entretanto, não passar pela assunção de papéis, ou seja, não existe a representação nem da parte verbal dos personagens da história em elaboração. Os participantes do grupo são todos co-autores, oferecendo suas contribuições dentro das regras do formato utilizado. O diretor estimula a produção de uma história comum, propondo recursos, fazendo perguntas, levantando alternativas, facilitando o processo imaginativo. Os diversos formatos que podem ser desenvolvidos com base nesse princípio constituiriam as técnicas verbais dramatúrgicas. Esta estratégia costuma ser utilizada no período de aquecimento do teatro da platéia, para se obter da imaginação coletiva do grupo a história que vai ser levada ao palco como ponto de partida para uma nova fase da criação, agora através do desempenho cênico dos papéis.
A essas técnicas se acrescentam as técnicas verbais descritivas, caracterizadas pela investigação direta das relações sociométricas do contexto social do paciente. O foco se direciona para a chamada “vida real”, procurando identificar e descrever os principais personagens, seus respectivos papéis, as configurações sociométricas, as forças e critérios de atração e repulsão, os projetos dramáticos próprios de cada átomo sob investigação.
A perspectiva sócio-histórica pode levar à identificação dos condicionantes mais amplos, situados na comunidade e nas relações político-econômicas, abrangendo inclusive os mitos e as ideologias. Cabe aqui, também, por extensão, a pesquisa genealógica e a elaboração dos genogramas.
Embora esta orientação possa ser considerada menos criativa do que as anteriores, ela representa uma tarefa a quatro mãos cujo mero fazer, independente dos resultados “objetivos”, caracteriza o processo de construção coletiva do conhecimento. Com certeza, essa investigação, conquanto aparentemente carregada de racionalidade, acaba mobilizando afetos significativos e proporcionando um sentido de responsabilidade pela construção da própria vida.
O quadro se completa com as técnicas verbais narrativas, em que o paciente é estimulado a simplesmente relatar fatos da vida quotidiana, envolvendo pessoas significativas do seu átomo social, sonhos ou mesmo situações de aparente banalidade. O lema “viver é contar histórias” é tomado como inspiração. O terapeuta é um interlocutor curioso, ouvinte atento e indagador, que ajuda a eliminar dos relatos os comentários e as generalizações dispensáveis, assim como a ajustar o foco para identificar aspectos mais obscuros da cena que está sendo relatada, além de proporcionar um contato mais intenso e extenso com as situações relembradas.
Essa proposta favorece o abandono, pelo paciente, de falas estereotipadas, tais como a repetição de queixas, a descrição de sintomas, a auto-depreciação condenatória, a defesa da própria inocência associada à condenação dos parceiros relacionais, a explicação psicológica e assim por diante. Desestimula-se, cuidadosamente, a tentação de aplicar aos fatos narrados qualquer tipo de esforço interpretativo ou de leitura articuladora. O próprio terapeuta se desenvolve na linha de desvencilhar-se da postura interpretativa assim como de veleidades parentais e professorais. Estimula-se um olhar mais amplo e mais cuidadoso, capaz de identificar, na vida, muitas cenas que vinham passando desapercebidas.
Aqui, o modelo de trabalho se aproxima do que faz o diretor do playback theatre em sua relação com o narrador, inclusive na síntese que comunica ao público ao anunciar que a história narrada vai ser encenada pelos atores. Por outro lado, como na associação livre da psicanálise, tomando como modelo a técnica da multiplicação dramática, se estimula a explicitação das ressonâncias, ou seja, que se relatem outros fatos que vieram à tona a partir das histórias anteriores, sempre que estas sejam dadas como esgotadas. Busca-se que seja produzida uma seqüência de cenas cujo liame seja metafórico e não metonímico.
O terapeuta pode optar por uma participação mais discreta, como mero ouvinte interessado e estimulador, ou então mais comprometida, quando ele se dispõe a contar histórias também, compartilhando com o paciente suas próprias ressonâncias. Nesta última hipótese, mesmo que não seja intencional, as histórias do terapeuta vão ter o peso de uma interpretação das histórias do paciente, o que pode ser positivo ou negativo, dependendo do ângulo pelo qual se avalia esse fenômeno. Por outro lado, a exposição sincera de seus aspectos humanos pode ser um aspecto favorável dessa estratégia. O nível de co-criação, aqui, pode ter uma variação significativa, embora a participação continue sendo indiscutível.
A idéia de obra aberta pode ser aplicada no momento de se criar a finalização das histórias, sejam elas relatos de cenas vistas ou vividas pelo paciente, sejam elas oníricas ou ficcionais. Em vez de buscar apenas um desfecho, o paciente pode ser ajudado no sentido de multiplicar as alternativas de conclusão, sem ter que necessariamente escolher uma entre elas.
Todas essas técnicas verbais podem ser aplicadas, com os devidos ajustes, qualquer que seja o tamanho do grupo. Algumas delas, como vimos, permitem uma maior participação do grupo como um todo. Outras, focalizando apenas um dos membros do grupo, colocam os outros na posição de meros espectadores. De certa forma, estas últimas são mais adequadas para utilização no psicodrama bi-pessoal, dado que, dentro da perspectiva do teatro espontâneo, a sociodinâmica do grupo deve ser sempre levada em conta no direcionamento dos trabalhos, o que se torna praticamente inviável quando se adota um modelo que exclui os espectadores de uma participação mais ativa.
VII. O psicodrama verbal
As dificuldades técnicas de adaptação do psicodrama grupal ao contexto terapêutico bi-pessoal acabaram levando muitos psicodramistas a adotarem uma prática que, pelo menos aparentemente, nada tem a ver com o psicodrama, qual seja, um atendimento psicoterápico inteiramente verbal. Não deixa de ser uma pena que isso aconteça, porque o potencial terapêutico associado ao comprometimento corporal e ao exercício da criação coletiva no campo do teatro de improviso acaba ficando desperdiçado.
Pode parecer estranho pensar num psicodrama sem dramatização, mas seu parentesco com as propostas psicodramáticas não pode ser desconsiderado. E é preferível que, admitida a inclusão no mesmo espectro, se criem espaços de troca e de mútua fertilização, do que condenar os infiéis e enviá-los à fogueira.
Na história do psicodrama brasileiro, quando aconteciam sessões puramente verbais, os psicodramistas delas se envergonhavam, auto-censurando-se por preguiça, desídia ou incompetência, ou por serem vítimas de um viés cultural que privilegia a racionalidade. Esse era o padrão de sentimentos que freqüentava as sessões de supervisão às quais eram levadas essas práticas. A pouco e pouco, ainda que timidamente, começam a surgir as primeiras comunicações a esse respeito, dando conta oficial de sua existência e ensaiando algumas reflexões, num esforço pioneiro para garantir-lhe uma adequada fundamentação teórica e uma potencialização de seus recursos.
A contribuição do teatro espontâneo para o desenvolvimento dessa técnica vem através do enfoque privilegiado da função dramatúrgica, ou seja, através de uma exploração mais aprofundada do processo de construção do texto teatral, ainda que fique sacrificada a encenação simultânea que faz parte de sua caracterização original.
O estímulo à produção do texto tende a ficar mais próximo do trabalho psicodramático completo, quando o terapeuta se propõe a participar mais ativamente do processo criativo, ao invés de apenas dirigi-lo de fora. O comprometimento do paciente nessa tarefa, com a ajuda terapêutica, pode proporcionar a catarse do autor e os benefícios da experiência de co-criação.
Seguindo o modelo de outras psicoterapias, pode o terapeuta, eventualmente, acrescentar comentários que reflitam sua visão dos fatos relatados e das histórias inventadas. Esses comentários vão inevitavelmente adotar como referência sua própria perspectiva teórica, filosófica, científica, religiosa, humana enfim, implícita ou explicitamente, com todos os riscos que isso implica.
A rigor, esses riscos estão presentes, inevitavelmente, em qualquer forma de atuação terapêutica. Se não for pela explicitação de suas análises, opiniões, interpretações e julgamentos, será no mínimo pela linguagem do próprio método escolhido. É o grau de consciência desses riscos que faz a diferença.
CONCLUSÃO
No presente estágio de desenvolvimento do psicodrama bi-pessoal, seu modus operandi ainda fica perdido entre modelos de atendimento individual não-psicodramáticos e estratégias próprias do trabalho com grupos maiores.
A perspectiva oferecida pelo teatro espontâneo – ele próprio modelado para o trabalho com grandes grupos – pode contribuir significativamente, na medida em que oferece parâmetros ao mesmo tempo ousados e sólidos.
Assim como o psicodrama bi-pessoal, também o teatro espontâneo busca encontrar seu espaço no mundo presente, tentando resgatar a sua singularidade histórica e oferecer uma contribuição relevante que responda às demandas da pós-modernidade. Estas diferem significativamente das condições que cercaram o aparecimento da esmagadora maioria das práticas terapêuticas hoje existentes e bradam a mensagem da esfinge do momento: decifrem-nos ou as devoraremos.
Com certeza, na medida em que as novas propostas se tornem mais popularizadas, que maior número de profissionais as abracem com seriedade e procurem desenvolvê-las, o montante de experiência acumulada fornecerá subsídios para uma boa reflexão, capaz de retribuir com importantes feedbacks para o seu contínuo aperfeiçoamento.
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